Meu nome não é Wellington. Não sou esquizofrênico. Nunca sofri o tal bullying.
Não sou viciado em Internet.
Nunca tive planos para derrubar aviões ou para matar pessoas. Não vivo recluso em um quarto.
Também não possuo armas. A minha mente não funciona como a de um serial-killer, de um louco, de um obcecado, de um matador.
Sendo assim, fico tentando imaginar, como qualquer pessoa agora no Brasil, como funcionava a cabeça de Wellington Menezes de Oliveira, o atirador maluco do Rio de Janeiro, que entrou em uma escola pública, no bairro do Realengo e começou a atirar. Mais de cem tiros depois restaram doze cadáveres (dez meninas e dois meninos) e doze feridos (dez meninas e dois meninos).
Também fico imaginando, como o senhor leitor, a senhora leitora, a dor e o sofrimento dos parentes das crianças mortas e feridas.
Um exercício de imaginação.
“Hoje vou entrar nessa escola e acabar com tudo. Não aguento mais a pressão. Estou cansado de vir aqui todo dia observar o entra e sai. Chega dessa pressão medonha que me atormenta. Não agüento mais os sinais de impureza e o comportamento errado das pessoas. Não gosto que me toquem. Hoje pagarão bem caro.
Hoje vou entrar nessa escola e acabar com tudo. Chega de pressão. Minha cabeça até dói.
Venho observando o entra e sai, e preciso tomar coragem. Vou tomar coragem e entrar.
Vou entrar agora. É agora ou nunca. Os revólveres estão aqui, carregados. Tenho muitas balas. Tenho muitas balas, para todo mundo.
Hoje vou acabar com tudo.
Vou entrando, vou subindo a escada. Olha umas meninas lá. É agora. Não perdôo.
Lá vai. Agora não posso mais parar. Dedos pressionando os gatilhos. Não é tão difícil. Os dedos funcionam automaticamente.
É só apertar, é só apertar. É só apertar. Tiros. Tiros. Tiros. Fumaça. Cheiro de medo no ar.
Vou correr atrás, mirar e atirar. Na cabeça. Ninguém pode sobreviver.
Lá vai. “Não adianta fugir. Vou matar vocês”. Tiro, tiros, tiros, tiros.
Corpos caindo, sangue escorrendo, crianças correndo, gritos, gritos, gritos. Quanta adrenalina! Não posso mais parar, não posso mais parar, agora vai até o fim.
Meu coração está disparado. Mal consigo respirar. Impuras, impuras, morram. Tiros, tiros, tiros. Fumaça. Cheiro de sangue. Cheiro de medo. Eu consigo. eu consigo. Viram como eu posso?
Esperei muito tempo por este dia. Tiros. Tiros. Tiros. Crianças escorregando. “Não me mate. Pelo amor de Deus”. Tiros. Sangue. Que sensação, parece um vídeo game. Controlo tudo. Eu sou bom nisso. Agora me pagam. Você não vai morrer, gordinho, não se preocupe. Fique longe de mim. Tiros. Gritos.
Estou controlando o jogo. Agora vou mostrar quem eu sou. O que posso fazer. O meu poder. Chega de ser perseguido, sempre olhado como um estranho. Deus me ajude.
Hoje acabo com tudo mundo aqui, até a última bala.
Recarga. Recarga. Tiros, tiros, tiros.
Perdi a conta, meus dedos estão se cansando de apertar os gatilhos. Adrenalina, liberdade, estou livre.
Correria, gritos, sangue. Horror. Hoje todos os que me devem pagarão.
Não adianta fugir. Vou matar vocês. Para isso me preparei. Para isso comprei as armas. Estão funcionando. Tiros. Tiros. Aquelas vozes me acompanham. Mate. Mate. Mate.
Sim, sei o que estou fazendo. Não vai sobrar ninguém. Não adianta fugir, vou matar vocês.
Não rirão mais de você Wellington. Não duvidarão mais de você. Saberão quem sou, com quem estão lidando. Minha mãezinha. Onde está você agora? Olha o que estou fazendo.
Os homens chegaram. Agora ficou complicado. Não vou morrer. Mato todos eles. Vão conhecer Wellington.
Correria. Tiros.Tiros. Mais tiros. Muitos tiros ao mesmo tempo. Cheiro de pólvora e sangue no ar.
Vou correr por ali, vou pela escada. Ai minha perna!
Um último tiro. Olhos fechando, zonzeira, gritos ao longe. Cheiro de pólvora. Cheiro de sangue.
Wellington está caído nos degraus da escada. Morto. Tem uma bala na cabeça, que ele mesmo colocou ali.
Não adianta fugir Wellington, vou matar você. Agora a paz. Ou o inferno. Ou, quem sabe...
FIM DO EXERCÍCIO.
Para as crianças perseguidas por Wellington Menezes de Oliveira não houve a menor chance. Não houve possibilidade de fuga, qualquer escolha. O impiedoso Wellington tinha a vontade de matar muito mais. Se pudesse ter continuado, tinha balas para matar muito mais.
O que move um sujeito assim? A falta de Deus para ele? Um excesso de vozes dentro de sua cabeça? Uma confusão entre o certo e o errado? Perseguições na infância?
Não sei, e acho que ninguém sabe. Só especulamos. Somos todos especuladores. Sempre fazemos necropsias. Sempre olhamos o passado para procurar entender o que aconteceu.
Às vezes não há explicação.
Além do corpo de Wellington, caído de bruços nos degraus da escada, o choro das mães.
O desespero. A dor infinita. A sensação de abandono por Deus. Como aceitar, assim na hora, que foi Deus que conduziu o assassino? Como não imaginar que o diabo anda à solta.
Talvez Deus escreva mesmo o certo por linhas tortas.
Na imprensa as discussões estúpidas de sempre.
As ideias oportunistas dos políticos oportunistas de sempre sobre desarmamento, sobre aparelhos de Raio-X nas portas de todas as escolas do Brasil!
Não temos isso funcionando decentemente nem em todos os aeroportos do País! Seremos sede da Copa e de Olimpíada! O Rio de Janeiro não controla nem os seus criminosos!
Hipócritas. Mentirosos. Oportunistas.
A única coisa concreta que resta agora, neste momento, é a morte das doze crianças pela ação de um louco. E as crianças feridas. E o pavor que acompanhará centenas de crianças, especialmente as que viram seus coleguinhas sendo abatidos como animais.
Cada estouro na rua, cada estampido, cada bombinha de São João, apavorará aquelas crianças. Trauma. Muitos não dormirão direito. Precisarão de acompanhamento.
Ela viram o que ninguém quer ver. Viram a morte de perto. Muito de perto.
E a morte é assustadora.
AS CRIANÇAS MORTAS - esta é a lista de crianças mortas pelo atirador Wellington:
Ana Carolina Pacheco da Silva, 13 anos
Bianca Rocha Tavares, 13 anos
Géssica Guedes Pereira, 15 anos
Igor Moraes da Silva, 13 anos
Karine Lorraine de Olveira, 14 anos
Larissa dos Santos Atanásio, 13 anos
Laryssa Silva Martins, 13 anos
Mariana Rocha de Souza, 13 anos
Milena dos Santos Nascimento, 14 anos
Rafael Pereira da Silva,14 anos
Samira Pires Ribeiro, 13 anos
DESCANSEM EM PAZ
Nenhum comentário:
Postar um comentário