Aqui segue um texto sério para ser lido atentamente. É do Fernando Gabeira e foi publicado pelo jornal O Estado de São Paulo.
Trata do montante estimado da corrupção no Brasil e quanto o desvio de recursos públicos prejudica o desenvolvimento de nossa infraestrutura. Com isso, o país começa a perder a capacidade de concorrer com outras economias onde a corrupção é melhor combatida.
Por aqui, parece, nos últimos anos se está desenvolvendo uma "cultura da corrupção", como se fosse um mal menor, uma coisa impossível mesmo de evitar. Alguns políticos e partidos acusam um velho político de São Paulo pelo "rouba mas faz". E fazem muitas vez mais. São ladrões insaciáveis. Na China receberiam uma bala na nuca. Só para lembrar a imagem impactante, pois sou contra a ditadura chinesa e a pena de morte. Mas algumas pessoas, em termos de imagem, ficariam muito bem com uma bala enfiada na nuca.
Mas roubar, de verdade, não permite fazer. E, se algo é feito, acaba custando muito mais do que deveria. O prejuízo é do povo que paga os impostos. Atentem ao noticiário do que custaramos Jogos Panamericanos, prestem atenção ao que custará, de verdade, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. O Brasil está jogando fora dinheiro que faltará, no futuro, aos nossos filhos e netos.
Nada é dado de graça ao povo como querem fazer crer os damagogos. Tudo saiu do suor dos trabalhadores. Governos não produzem riquezas. São as pessoas com seu árduo trabalho. Governos só gastam irresponsavelmente.
Gutenberg J.
O TEXTO DE FERNANDO GABEIRA
As vozes que não se calam
Fernando Gabeira |
O Estado de S. Paulo - 16/09/2011 |
Dados na mesa: a corrupção desviou R$ 40 bilhões em sete anos, R$ 6 82 milhões no Ministério dos Transportes; o Brasil caiu 20 posições no ranking da infraestrutura, segundo pesquisa do Fórum Econômico Mundial - deixou o 84.º lugar para ocupar o 104.º. Mesmo sem precisar o seu peso, é inegável que a corrupção desempenhou um papel nessa queda. Apenas isso seria suficiente para justificar a presença da luta contra o desvio de verbas públicas no topo da agenda nacional. O argumento da coalizão para conviver com esses fatos é o da governabilidade. É o discurso dos dirigentes mais politizados. No espaço virtual, onde as emoções estão mais à flor da tela, não são raras as tentativas de desqualificar a aspiração de grande parte da sociedade brasileira, revelada, parcialmente, nas demonstrações do 7 de Setembro. A mais banal dessas tentativas é aprisionar o movimento dentro dos códigos do século passado, dominado pela guerra fria. Esquerda e direita, naquele contexto, eram os polos da principal clivagem. O movimento é de direita, dizem, logo, representa um atraso. As pessoas que saíram às ruas talvez não se sintam nem de direita nem de esquerda, apenas defendem seus direitos e sonhos frustrados pela corrupção. Num outro plano, há os que até entendem a disposição para a luta. Lamentam apenas ver a energia dispersa num tema secundário. Chegam até a sugerir um outro foco: a sonegação de impostos, dizem, mobiliza bilhões de reais. Outra forma clássica de argumentar, que atravessou o século 20: a contradição principal é entre burguesia e proletariado; outras lutas, ainda que bem-intencionadas, podem levar à dispersão. A presidente Dilma Rousseff, quando indagada sobre corrupção, sempre enfatiza a luta contra a miséria, deixando bem claro seu objetivo principal. O que falta na sua resposta é uma articulação entre corrupção e miséria, a aceitação da evidência avassaladora de que a corrupção contribui para agravar a miséria no País. Uma vez aceita essa evidência, seria possível passar para outra etapa da discussão. Isto é, discutir o argumento de que a governabilidade permite ganhar um espaço na luta contra a pobreza muito superior ao espaço que se perde com a corrupção. É o famoso "preço a pagar". Em nome da própria luta contra a miséria, é legítimo perguntar: será que o Brasil precisa mesmo pagar esse preço? Numa democracia transparente, além do custeio da máquina, é necessário um pedágio para que ela seja possa funcionar? Tudo indica que o modelo de presidencialismo de coalizão, com o rateio de cargos entre os partidos, está esgotado. O amadurecimento da democracia vai impor novos rumos. No momento é difícil convencer disso os vencedores, que projetam novas vitórias eleitorais, seguindo a máxima esportiva de que em time que está ganhando não se mexe. Os argumentos contra a corrupção não se limitam ao dinheiro perdido. No plano simbólico, a devastação é maior ainda. Milhares de pessoas se afastaram da política e a imagem internacional do Brasil sofre. Recentemente, o WikiLeaks revelou uma correspondência do embaixador dos EUA, Thomas Shannon, afirmando que a corrupção no governo passado era generalizada. É razoável perguntar: será que isso foi só a percepção do embaixador americano ou é a de todo o corpo diplomático? As perspectivas tornaram-se mais interessantes agora, com a aparição de um movimento espontâneo e apartidário. As demonstrações de jovens buscando mais democracia, no período eleitoral, representou uma combinação singular na Espanha: a contestação ofuscou o discurso dos políticos. Os que gastam energia para reduzir a importância da luta contra a corrupção devem lembrar que, mesmo se fosse varrida dessa conjuntura, ela apareceria, com força, pouco mais adiante. A preparação da Copa de 2014, necessariamente, recoloca o tema. Faltam dados sobre os gastos e algumas estimativas os elevam a R$ 120 bilhões. A reforma do Maracanã, por exemplo, tem hoje previsão de gastos de mais de R$ 900 milhões, apesar dos cortes do TCU. Ela é sintomática. A previsão inicial era de R$ 600 milhões. A empresa responsável é a Delta, cujo dono é amigo do governador Sérgio Cabral. Uma obra da Delta no aeroporto de Guarulhos chegou a ser interditada esta semana pela Justiça Federal. Mesmo esquecendo momentaneamente a Copa, cujo processo ainda se vai desenrolar, é inegável que a corrupção influiu na resistência contra a recriação da CPMF. Segundo o TCU, é na saúde que se registra um terço do desvio de verbas no País. Ninguém tinha esses dados, mas quase todos desconfiavam. Por mais que a corrupção seja jogada para a margem, como um problema corriqueiro, ela reaparece na agenda nacional, confirmando a frase de Guimarães Rosa: quem muito evita, acaba convivendo. Talvez fosse mais fácil se os partidos políticos, com uma visão de futuro, dessem uma resposta a uma agenda que não desaparece da cena. Os fatos no Congresso, principalmente a absolvição, por voto secreto, da deputada Jaqueline Roriz, indicam que a maioria dos políticos continuará com a cabeça enterrada na areia. Nesse cenário, não pode ouvir o movimento perguntando: há alguém aí? O nível de desemprego é menor aqui do que o registrado na juventude espanhola. Em compensação, lá os políticos não viram as costas à sociedade tão audaciosamente como no Brasil. Algo começou com as manifestações de 7 de Setembro. Como em todos os pontos do globo, elas lançaram mão da internet, instrumento sobre o qual não há controle numa democracia. Por outro lado, as tentativas de controle político dos meios de comunicação tradicionais tendem ao isolamento. É preciso acreditar muito nos aliados para supor que possam erguer a bandeira da censura num ano eleitoral. Dificilmente o Brasil aceitará pagar pedágio para que o governo faça a máquina funcionar. Ela já é pouco racional. Com os danos da corrupção, torna-se um obstáculo para um salto maior. O Brasil cresceu, os horizontes políticos encolheram. O sopro das ruas pode trazer a inspiração que faltava. REPRODUZIDO DE O ESTADO DE SÃO PAULO |
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