A trágica e rocambolesca história de Dominique Strauss-Kahn , o ex-presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), certamente poderá transformar-se em um roteiro para um excelente filme policial de Hollywood.
Tem todos os ingredientes necessários: um crime, uma pessoa que simboliza os fracos e oprimidos, um vilão que simboliza os ricos e poderosos, a possível rede de intrigas de uma conspiração política.
E, uma reviravolta fantástica no final.
Há três dias Dominique era um sujeito execrável, um bandido, um tarado sem limite condenado à execração, em Nova York.
Hoje já pode estar se transformando na vítima de um crime tramado por uma aventureira em busca de milhões de dólares ou, pior ainda, na vítima de fortíssimos adversários políticos manobrando para deter a sua ascenção à Presidência da França. Isso daria um filme e tanto.
Sua prisão, e as circunstâncias em que isso aconteceu, gerou inúmeros artigos e comentários, a maioria com a perspectiva do multiculturalismo e do políticamente correto, contra ele, e a favor da “vítima”, destacando como o sistema policial e judicial americano é rápido para punir e que não perdoa nem os poderosos brancos ricos.
É fato, mas todo mundo foi apressado em demasia nessa história. Bastou uma mulher camareira, pobre, imigrante e negra berrar: “fui estuprada”. E o berro virou verdade. Tudo muito rápido demais.
Leiam o comentário do excelente jornalista francês Gilles Lapouge publicado no Estadão de hoje (2 de julho), e depois o artigo publicado pelo mesmo jornalista no dia 29 de maio, quando ele tratou de uma teoria da conspiração na qual as pessoas acreditavam estar sendo vítima Strauss-Kahn.
Talvez não haja a conspiração política imaginada, mas, sem dúvida, DSK foi vítima de uma armação feita por bandidos em busca de dinheiro fácil: o de uma indenização de milhões por estupro. Isso nos Estados Unidos de hoje em dia vale ouro. Talvez a reviravolta no caso de Strauss-Kahn sirva de exemplo para a imprensa e as autoridades policiais e da promotoria americana como o final do caso da Escola Base no Brasil, em que os culpados é que foram as vítimas de uma histeria coletiva.
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CRIMINOSO OU VÍTIMA?
Gilles Lapouge
O Estado de S.Paulo
02 de julho de 2011
No dia 14 de maio, a França foi surpreendida: o francês Dominique Strauss-Kahn, um dos homens mais poderosos do planeta, diretor-geral do FMI, que tinha chances de tirar Nicolas Sarkozy da presidência, havia sido preso, retirado por policiais americanos do avião que o levaria de Nova York para Paris, algemado, humilhado, interrogado, jogado numa prisão sórdida e lançado às feras para saciar curiosidades obscenas.
O chefe do FMI teria estuprado uma camareira do Hotel Sofitel, em Nova York , uma jovem guineana inocente e irrepreensível, Nafissatou Dialo. Foi aberto um processo. O político se acabou. E o homem também. Um mês e meio depois, a França, pela segunda vez, foi surpreendida. Ficou paralisada, petrificada, mas pelo fato inverso. O New York Times anunciou que o promotor (o mesmo que acusou Strauss-Kahn) duvidava da acusação. O processo naufragou e DSK foi solto.
Por que essa reviravolta da promotoria? Segundo o jornal, a mulher desonrada, Nafissatou Dialo, não seria a vítima inocente, assustada e virtuosa descrita pelo diretor do Sofitel em seu depoimento e no testemunho de um estranho que se dizia irmão, quando na verdade era um amigo. Sabe-se que ela sofreu sofrido violências e estupro antes. E parecia conhecer pessoas pouco recomendáveis. Já havia mentido e continuou mentindo, pecado capital aos olhos da sociedade puritana dos EUA.
Vamos aguardar o julgamento. Não devemos ir muito rápido, declarando a mulher perversa ou proclamando o seu candor. Esse caso é medonho, inverossímil. Não vamos acrescentar nossas incertezas a uma história já muito obscura, fascinante, mas terrível. O que é de imaginar é que, desde ontem, já se começou a trabalhar em Hollywood na captura de uma realidade que galopa mais rápido do que a imaginação do mais desbocado dos roteiristas americanos.
O quarto 2806 tornou-se uma gigantesca fábrica de fantasias. De todo o tipo. Sexuais, é claro. Étnicas (o branco e a negra). Sociais (o rico poderoso e a pobre humilhada). Políticas (o socialista DSK contra o homem de direita Sarkozy). E feministas, porque, no mundo inteiro, mulheres denunciaram o comportamento do francês, ao mesmo tempo em que milhões de porcos chauvinistas vilipendiaram a mulher negra e uma simples camareira, que estava fazendo muita história por causa de um simples e banal "passar de mão".
Enfim, há também o lado romanesco, mas de um romance policial: o que ocorreu exatamente no quarto do Sofitel em 14 de maio? Só um homem, DSK, e uma mulher, Nafissatou, sabem o que houve no carpete da suíte. E foi com base nesse vazio, nesse silêncio, que um homem foi lançado no banco da infâmia. Em resumo, o quarto 2806 do Sofitel pode ser comparado a uma dessas "caixas pretas" que se procura sempre após um acidente de avião, que técnicos, uma vez encontrada, tentam fazer falar.
No caso do Sofitel, a caixa preta, ou seja, o quarto 2806, não falou. E as paixões, os ódios, as invejas, os ressentimentos, aproveitaram esse mutismo para delinear o romance de sua preferência. Aguardemos para ouvir as revelações que ainda surgirão dessa caixa preta.
(TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO)
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STRAUSS-KAHN E AS TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO
Gilles Lapouge
O Estado de S.Paulo
29 de maio de 2011
Dominique Strauss-Kahn, ex-dirigente do FMI que deveria ser o próximo presidente francês, é acusado de estuprar uma camareira do hotel Sofitel de Nova York. Ele está recluso num apartamento em Manhattan, vigiado por guardas que ele próprio tem de pagar e espionado por câmeras o tempo todo.
Nessas condições, esperava-se que a emoção e a estupefação que se seguiram à fantástica derrocada do francês dariam lugar à racionalidade e a uma análise desse caso sórdido com olhos não deformadores. Ora, nada disso ocorre. A "teoria da conspiração", longe de desaparecer, cresce.
Numa pesquisa entre os franceses sobre o mistério do quarto 2806 do Sofitel de Nova York, 57% das pessoas consultadas disseram acreditar que o ex-diretor do FMI caiu numa armadilha. E armada por quem? As respostas são variadas.
Para uns, foi a CIA. Para outros, os grandes bancos americanos. Alguns acham que os responsáveis são franceses, ou seja, um grupo secreto animado por Nicolas Sarkozy, ou, ao contrário, teria sido um ardil concebido por socialistas rivais de Strauss-Kahn.
Outros possíveis culpados seriam os russos, que querem o caos no Ocidente. Outros denunciam os gregos, afetados pelo plano de austeridade imposto pelo FMI.
Eis agora a última invenção dos "detetives amadores". Não se tratou de um complô, mas de um engano. Como faz com frequência, Strauss-Kahn havia solicitado que enviassem ao seu quarto uma "garota de programa". Quando a camareira da Guiné entrou no quarto, ele achou que se tratava da moça e se lançou sobre a infeliz.
Desde os tempos da Babilônia e da Suméria, os homens imaginam que forças obscuras operam nas sociedades. Essa "mania de complô" tem sido embalada por duas razões: os atentados de 11 de setembro de 20o1, em Nova York , um fato tão demente que muitas pessoas negaram, enquanto outras imaginaram que os próprios americanos tinham lançado seus aviões contra as Torres Gêmeas. E, em segundo lugar, a internet, que permite que qualquer cérebro pequeno dissemine seus delírios.
Todas essas idiotices são, às vezes, utilizadas cinicamente por homens responsáveis. No caso de Strauss-Kahn, ouvimos deputados próximos do francês sugerirem que ele caiu numa armadilha.
O próprio Strauss-Kahn, um mês antes do desastre do Sofitel, disse que temia que os homens de Sarkozy inventassem um escândalo sexual para torpedeá-lo. Na internet, um número aparece constantemente: o número 14, que corresponde ao número de mulheres atacadas por Strauss-Kahn.
Estão anunciando que, nos próximos dias, entrarão em cena os astrólogos, que vêm estudando febrilmente o céu de Strauss-Kahn, seus planetas, seus aspectos, a posição de Marte, Vênus e, sobretudo, do Escorpião, signo da atividade sexual. É assim que, nesse nosso século racional, a verdade tenta abrir caminho, com dificuldade
(TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO)
Primeiro texto:
Segundo texto:
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