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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A ESTRANHA HISTÓRIA DE SEVERINA DE CARUARU. SEVERINA DA SILVA MANDOU MATAR O PRÓPRIO PAI. FOI ABSOLVIDA PELO JÚRI EM RECIFE. Severino abusou dela por 29 anos e tiveram 12 filhos. A família sempre soube, e nunca fez nada.

Ah! o clima do Agreste! Aquele calor todo. Aquele ar seco. O pó. Aquelas urtigas.

A vida no Agreste nunca foi fácil para ninguém. Aquele isolamento da distância, a seca, a judieira da falta de água, o sofrimento dos animais. O ranger das rodas dos carros de boi. Não há quem aguente.

Não foi à toa que o Agreste serviu de cenário para muitos filmes sobre o Cangaço. Pois foi no Agreste mesmo que se desenvolveu boa parte da história do Cangaço. O Agreste forma pessoas rudes, duras, que sofrem em silêncio. Deve ter sido assim com Severino, o pai, com Severina, sua filha, com quem ele teve 12 filhos, e com o resto da família.

Cada um amuado, quieto no seu canto, fingindo não saber de nada, não ver nada, não ouvir nada, pois pode ser perigoso se meter na vida de um severino valente. 


Severinos podem ser violentos, muito violentos, podem gostar de uma cachaça e ficar com a mão pesada. E a mão pesada de um severino pode significar a morte. A foice. A faca peixeira.

Ninguém queria padecer nas mãos de Severino. E Severino Pedro de Andrade, pelo visto, sabia ser violento. E todos o temiam e obedeciam. Donos de pequenos pedaços de terra, senhores da vida e da morte, donos de todos, da mulher, dos filhos e de seus animais, assim são muitos severinos do Nordeste.

Um dia Severino deve ter acordado de uma noite mal dormida ao lado da velha, toda cansada, esgotada pela vida no Agreste, enrugada e murcha. Deve ter olhado a garota, a potranquinha, a cabrita (conforme deve ter pensado no seu imaginário chucro) e deve ter imaginado “está no ponto, vai ter que dormir comigo de hoje em diante”.

Não saberemos nunca se foi isso mesmo que Severino pensou, mas podemos ter a certeza de que foi exatamente isso o que aconteceu com a sua filha Severina Maria da Silva, então com nove anos, menina da roça. 


Desde os nove anos de idade Severina passou a ser procurada pelo pai para ser “usada”, como se fala no sertão. E Severino usou bastante a filha, que foi crescendo e ficando prenhe uma vez, e outra, e outra, e outra. Doze vêzes!

Ela teve 12 filhos de Severino. Durante longos 29 anos. E a família sempre acomodou a situação. Onde come uma boca come outra. Onde comem dez comem onze.

E assim foi Severino usando a sua filha e tendo mais filhos. Dos doze filhos de Severino sete morreram devido a problemas de saúde, problemas genéticos. Cinco sobreviveram. Nem todos são perfeitamente sãos, tem suas seqüelas, mas viverão agora com Severina.  

OUTRA MANHÃ DE UMA NOITE MAL DORMIDA

Em 2005 Severino já velho, gasto, cansado, mas não menos tarado, pelo visto, deve ter olhado para a Severina e depois para sua filha-neta, também na faixa dos 9 anos.

E deve ter pensado novamente “deste dias não passará”. E deve ter tentado “usar”  da filha-neta, como já fizera com Severina tanta vezes nos longos 29 anos.

Mas, pelo visto, Severina não era igual à sua mãe. Embora Severina não tenha abandonado a família apesar de todos os abusos de seu pai, isso ela não agüentaria. “Usar” a sua filha como se fosse outra severina não. De modo algum.

Severina Maria da Silva, sempre tão submissa ao pai (que garantia a submissão na base de muitas surras violentas) contratou dois sujeitos que, em 2005, deram um fim em Severino Pedro de Andrade. Mataram Severino. Libertaram Severina e sua filha-neta.

Os dois matadores foram a júri em 26 de setembro de 2007 por haver matado Severino a golpes de faca, por R$800,00 reais. Os réus Edilson Francisco de Amorim e Denisar dos Santos foram considerados culpados e receberam pena de 17 anos de reclusão, inicialmente em regime fechado, pelos crimes de homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e sem oferecer chance de defesa à vitima).

Agora foi a vez do julgamento de Severina, como mandante do crime de morte, mas ela foi absolvida por unanimidade na tarde de quinta-feira (25), na 4ª Vara do Tribunal do Júri, no Fórum Thomaz de Aquino, no Recife.

CONTRATOU MATADORES

O crime aconteceu na casa de Severino, em 15 de novembro de 2005, na Vila do Rafael, em Caruaru. A defesa de Severina alegou que ela contratou dois homens para matá-lo, pois teria desconfiado que ele pretendia abusar sexualmente das suas filhas-netas.

O promotor José Edivaldo da Silva pediu a absolvição da acusada argumentando que ela, durante anos, foi vítima permanente de coação moral e física. “Severina deveria ser indenizada pela vida que passou, foi obrigada até a pedir esmola. Não se trata de bondade pedir a absolvição de Severina, a acusada de hoje é a própria vitima.”

Talvez ela inicie agora um processo contra o estado, pois teria procurado as delegacias de Caruaru e Brejo da Madre de Deus cinco vezes na tentativa de denunciar as agressões, todas sem sucesso.

Conforme um dos advogados de defesa, Gilvan Florêncio, a decisão será analisada pelos advogados para verificar a possibilidade de Severina para pleitear o pagamento de indenização pelos danos sofridos.

Severina ficou um ano e seis dias detida na antiga Colônia Penal de Garanhuns antes do julgamento.

FINAL ESTRANHO

Contudo, algo não deixa de ser curioso e intrigante nessa triste história: Severina, a mandante de um assassinato, está livre da prisão. Aqueles a quem ela contratou para matar seu pai foram julgados a condenados à prisão.

Raras vêzes a gente vê a condenação dos braços apenas, e não a da cabeça também. Se eles foram apenas o instrumento por meio dos quais ela fez justiça com as próprias mãos (as deles, de verdade), e se ela foi absolvida, o julgamento dos matadores não deveria ser anulado?

É só uma pergunta que me persegue por estes dias.


Acrescento outra, que me ocorre agora. 
Somo humanos, demasiado humanos. Teria sido por ciúme?

Informações da imprensa e um pouco de imaginação.
Foto de Ed Wanderlei/Diário de Pernambuco

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