Liberdade sofre novo golpe na Bolívia
Editorial de O Globo
06/08/2011
Com a aprovação parlamentar da Lei de Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação, a Bolívia de Evo Morales adota o kit bolivariano para as áreas de imprensa e liberdade de expressão, que já vigora na Venezuela e no Equador. A Argentina kirchnerista, sintonizada com o pensamento bolivariano, entrou na mesma onda em 2009, com a Lei de Serviços Audiovisuais, que interfere profundamente na organização dos grupos de comunicação privados e independentes do país, mas foi revogada, em parte, pela Justiça.
Embrulhado num vistoso papel de presente da suposta necessidade de regular e fiscalizar a atuação da mídia, o que o kit pretende mesmo é asfixiar os meios de comunicação independentes, dando-lhes uma escolha de Sofia: fazer coro à mídia oficial ou calar-se.
A Venezuela de Hugo Chávez, sempre pioneira no que se refere a restrições, há alguns anos aprovou a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão, e atualizou-a em dezembro do ano passado. Estendeu as regras já existentes para rádio e TV aos conteúdos na internet, prevendo punição ao provedor ou portal que não limite o acesso a mensagens que incitem "ao ódio" ou "não reconheçam autoridades".
No Equador, o presidente Rafael Correa fez aprovar reformas bolivarianas num referendo (outro item fixo no kit), este ano, incluindo um dispositivo que permite ao governo restringir a área de alcance dos empresários de comunicação e inibe os jornalistas via controle do Judiciário. Na primeira oportunidade, Correa aplicou-o numa ação por "calúnia" contra o jornalista Emilio Palacio e o órgão em que trabalhava, "El Universo", em que exigia três anos de prisão e uma indenização de US$80 milhões.
O juiz Juan Paredes concordou com os três anos de prisão para Palacio e os donos do diário, e reduziu a multa para US$30 milhões (!) - ainda assim um valor exorbitante. Paredes emitiu a sentença em menos de 24 horas, mas descobriu-se que ele plagiou o texto de outras condenações. Até segunda ordem, ela está valendo.
Na lei boliviana, aprovada esta semana, um dos artigos põe à disposição do Estado todos os meios de comunicação, incluindo os provedores de internet, e permite escutas telefônicas sem autorização judicial em casos de "comoção interna" e ameaça à "segurança do Estado".
Outro absurdo é a imposição de limites pelos quais o setor privado terá direito a apenas 33% das licenças de rádio e TV; o Estado fica com outro terço, enquanto 17% vão para organizações sociais e 17% para grupos indígenas.
Na prática, como o apoio a Morales vem das organizações sociais e indígenas, seu governo poderá controlar 66% das licenças. Uma das consequências será tirar do ar até 2017, quando vencem as licenças, mais de 400 rádios privadas. É uma lástima que a América do Sul, que deveria unir forças para enfrentar os problemas de pobreza e desigualdade, e combinar o potencial dos países para fazer frente à crise mundial, seja obrigada a conviver com um grupo tão importante de nações que resolveram voltar a um populismo apatetado.
O tal socialismo do século XXI é um blefe: produz ditaduras (mal) disfarçadas, insegurança, desabastecimento, desinvestimento, desemprego, pobreza. E ai do veículo de comunicação que ousar denunciá-lo.
Editorial de O Globo
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