Der Tod auf dem Schlachtfeld. Bleistiftzeichnung, 22 x 29 cm, 1923 Wilhelm Oesterle (1867–1928) |
Um autor checo chamado Ivan Bystrina nos ensina que a Cultura é um produto que, ao longo do tempo, resulta do trabalho de diversas raízes que alimentam a imaginação humana. O produto do uso da imaginação, provocada pelos questionamentos a partir de tais raízes, leva à criação e expansão do nosso imaginário. O imaginário, então, nessa perspectiva, seria a própria Cultura.
O ser humano, o único animal dotado da capacidade imaginativa, tece a cultura entrecruzando os fios que procedem daquelas raízes, expandindo o universo cultural. Os fios tecidos em torno de certas idéias ou valores definiram ou delimitariam o que ele chama da “textos culturais”.
Por exemplo: as religiões, as ideologias, os movimentos comportamentais, o rock-and-roll, isto é, tudo aquilo que tenha uma certa lógica de conjunto e que estabeleça vínculos com e entre os seres humanos. Uma pessoa ou um grupo social podem estar ligados , então, a diversos “textos culturais”.
Os seres humanos vivem nesses textos culturais, de caráter simbólico, e extraíndo suas energias do mundo físico, de onde surgem os estímulos para as construções simbólicas.
Uma cidade não é muito diferente de um formigueiro. Isso estaria, no plano prático, muito próximo. Assim, formigas e homens podem ter algo em comum, um nível prático da vida em que muitas coisas acontecem.
Mas formigas são formigas, e fazem suas casas mecânicamente. Homens são homens e, embora reajam à Natureza procurando construir abrigos protetores conforme o meio, como formigas, dão um passo além, e suas habitações estão cheias de elementos de caráter simbólico.
Aquilo que está no nível prático e material Bystrina diz que é a Primeira Realidade: físio-química-biológica, igual para todos os seres vivos.
O que vai além, e entra no plano simbólico, Bystrina chama de Segunda Realidade, aquilo que é tipicamente humano, o que nos diferencia dos animais: a Segunda Realidade. Para o autor, o que ele chama Cultura é, exatamente, aquilo que está no nível simbólico. Vê-se que é uma perspectiva um pouco diferente da adotada por antropólogos culturais, para quem “tudo é cultura”.
A vida humana se constrói e se desenvolve em torno das tensões entre a Primeira e a Segunda Realidade, é claro; coisa que não ocorre com as formigas, evidentemente. Caso contrário teríamos formigas escrevendo sobre “textos culturais”.
As raízes da Cultura são poucas, segundo Bystrina, mas suficientes para alimentar toda a História Humana até hoje, em seus desdobramentos.
A primeira raiz da Cultura: a consciência da Morte.
Desde quando os primeiros hominídeos tomaram consciência da existência da Morte esta passou a estar presente sempre, de modo inescapável na vida humana. Tentar responder o que é a Morte?, para onde vamos após a Morte?, podemos voltar da Morte?, á a morte um tipo de sono?, são perguntas que absorveram milhões de pessoas ao longo dos séculos, significando a expansão de campos como o da Filosofia, das Artes, das Religiões. O nosso diálogo com a Morte ocupa imensamente a Cultura. Falar da Morte, até hoje, é estabelecer vínculos.
A segunda raiz da Cultura: a percepção do Sonho.
Imaginem seres primitivos, há milhões de anos tendo um pesadelo. O que é isso que está acontecendo? Será que fui a algum lugar? Será que essas coisas vieram até mim?
Os sonhos não era vistos como hoje uma criança poderia responder: a gente sonha quando dorme. Ou, o sonho é um processo dinâmico que envolve o inconsciente.
Não, ninguém poderia responder isso pois estaríamos falando de tempos muito recentes.
Ter um pesadelo há dez ou quinze milhões de anos deveria ser algo espantoso, terrível, amedrontador. Até hoje o é, e temos as explicações que nos tranqüilizam, certas ou erradas. Mas no início dos tempos não havia respostas.
A busca de respostas para as questões como a consciência da Morte e as indagações sobre o Sonho é que, segundo Bystrina, foram a chave da expansão do imaginário humano.
Buscar respostas é uma forma de tranqüilizar. Todas as respostas funcionam como se fossem hipóteses explicativas. Uma vez que, num certo tempo a hipótese tranqüilize as pessoas, então temos uma boa explicação. Isso não implica em que aquela explicação seja necessariamente a verdade absoluta. Não passe daquele ponto que a Terra é plana e os abismos te sugarão para sempre. Pronto. Sei até onde posso ir. Assim, poderíamos dizer que a melhor hipóteses que temos, conforme a época, considerando os métodos existentes naquele tempo, é a que tranqüiliza mais as pessoas.
E vejam que a morte, o sono e o sonho podem ser entrecruzados, constituindo um imenso estímulo para o uso da nossa imaginação e a expansão do imaginário. Há tribos urbanas vinculadas em torno disso. O conteúdo das comunicações de massa está repleto disso. O nosso interesse não é culpa de um mero sensacionalismo como dizem os críticos.
A terceira raiz da Cultura: os problemas Psico-Patológicos
Estamos na entrada de uma caverna conversando. Chega alguém e cai e começa a contorcer-se e a babar e a emitir ruídos estranhos.
O que aconteceu? Ninguém poderia dizer, quinze mil anos atrás: “é simples, é um ataque epiléptico, ele não tomou a sua dose de gardenal hoje”.
Imaginem o alvoroço se aquilo fosse novidade no grupo. Nunca aconteceu com outros, apenas com aquele. Explicações são necessárias. Talvez nele aconteçam coisas estranhas, talvez ele canalize algo, talvez ele seja especial; até que, num certo tempo aquilo viesse a ser tido como uma possessão, resultado de bruxaria, etc.
Hoje dizemos apenas: “esqueceu de tomar seu gardenal”. Mas, fale sério, você ficaria restrito apenas à explicação médico-científica? Seria fechar demais as possibilidades do mundo, não?
Imaginem os reis antigos dirigindo-se ao feiticeiros, às pitonisasalucinógenos poderiam muito bem ser aceitos como “capacidades” especiais de algumas pessoas. Quantas decisões de reis e poderosos foram tomadas com bases nos “conselhos” de malucos alucinados! Assim é a vida.
A própria Arte é um território que conta realmente, com a presença de muitas pessoas habilidosas mas tomadas de dons especiais. Um estudo das diversas artes pode revelar isso facilmente. A Arte pode estabelecer fortes vínculos comunicativos.
A quarta raiz da Cultura: os Estados Alterados de Consciência
Alguém vive na floresta e toca em um sapo. Não sabe, mas o sapo tem uma substância alucinógena em seu dorso (sabemos disso hoje). Ao passar a mão na boca por algum motivo a pessoa sente estranhas sensações. Visões, cores, distorções auditivas.
O que ela sente de especial que os outros não sentem? Onde ela foi? Ou o que trouxeram estranhos até ela? O que realmente aconteceu?
O contato dos hominídeos com as substâncias capazes de produzir sensações estranhas deve ser antiqüíssimo. Séculos devem ter passado antes que se estabelecesse uma relação de causa e efeito. Tal sapo igual tal alucinação. Tal planta, tal sensação.
Claro, com o passar do tempo as causas foram sendo reconhecidas e o conhecimento guardado para cerimônias especiais. Não é possível permitir que todos fiquem alucinados o tempo todo. Isso destruiria qualquer grupo social. Só os nossos modernos defensores da liberação das drogas parecem não perceber o problema.
Uma vez de posse do segredo, algumas pessoas detém um poder imenso. Xamãs, bruxos, magos, feiticeiros. Percebam que Estados Alterados de Consciência podem, às vezes, ser confundidos com Problemas Psico-Patológicos.
Ambas as coisas, quando criam elementos culturais, são capazes de atrair o nosso interesse e atenção. Geram vínculos poderosos com as pessoas e grupos sociais. Não estamos aqui tratando de doenças que acometem pessoas, mas dos efeitos culturais disso ao longo do tempo, do ponto de vista simbólico.
A quinta raiz da Cultura: Os Jogos
- AGON: quem ganha vive, quem perde morre!
- ALEA: o sortudo viveu, o azarado morreu.
- ILYNX: eu também quero um pouco de adrenalina para viver
- MIMICRY: as representações e as artes. Da simulação e da dissimulação
Os autores Johan Huizinga e Roger Caillois desenvolveram, primeiro um e depois o outro, interessantes estudos sobre a natureza dos jogos e as suas relações com a Cultura.
Bystrina aproveitou a idéias e incluiu os jogos como sendo a quinta raiz a estimular o nosso Imaginário, ou Cultura.
Todas as histórias contadas pelos humanos têm o esteio de uma ou mais raízes da Cultura combinadas. Das narrativas clássicas à música Pop.
Críticos da mídia torcem o nariz para novelas. Claro, existem novelas toscas e outras boas, mas o vínculo do público com as novelas procede do fato de que elas estão apoiadas, intuitivamente ou não, por parte de seus autores, em tramas que envolvem as raízes culturais. Alguém pode morrer, alguém é bom, alguém é mau, alguém tem sorte, outro é azarado. Alguém finge ser bom, etc... Isso está em toda a Literatura, e no noticiário.
A Arte imita a Vida, e a Vida imita a Arte.
1. Agon
Agonia (luta pela vida), antagonista (o outro que luta), protagonista (o que luta), procedem de Agon. Todas as narrativas que envolvem Agon geram vínculos.
Matar ou morrer. Das lutas sem regras aos jogos com regras, matar ou morrer é possível. Da morte concreta (em Roma) à morte simbólica de um time de futebol derrotado no campeonato.
Agon vai se constituindo em jogos com regras onde imperam categorias e competências. Vejam o boxe, o judô, etc. Hoje Golias não enfrenta David em um ringue como nas antigas brigas de rua.
Deve vencer o mais competente. Observem que as séries históricas de vitórias passam a ser consideradas. Mas algo pode dar errado. O menos vitorioso ao longo do tempo pode vencer a luta. O que aconteceu? Surpresa. A vida tem surpresas. Nem sempre o mais competente ganha.
2. Alea
Se o mais competente perdeu, o que aconteceu? Sorte ou azar. Os combates podem estar subordinados a uma certa aleatoriedade. Os fatos da Vida e da Natureza não podem ser controlados de forma absoluta. Absolutamente. É muito interessante observar a frustração daqueles que crêem que o domínio do Conhecimento Científico barrará ou eliminará a presença de Alea da Vida. Doce ilusão. Isso é impossível.
O sujeito cuida da saúde, faz academia, toma vitaminas, vai ao médico todos os meses. Um dia passa sob uma marquise que desaba sobre sua cabeça!. Isso não é um discurso contra ir a academias ou ao médico, mas uma observação. Algo poderá acontecer aleatoriamente e você será esmagado. Morte. Escapou da marquise?
Então no dia em que atravessar a rua olhando à direita será atropelado por um automóvel veloz que veio pela esquerda. Morte. A Morte e a Sorte ou o Azar, estão sempre à nossa volta. Nós é que não percebemos ou não damos muita importância a isso. Essa é a Vida. Essa é a Literatura.
3. Ilynx (vertigem)
O ser humano é estranho. Ele lota o Coliseu para ver pessoas se matando, e para indicar o polegar para cima ou para baixo. Ele lota o cinema para acompanhar uma história da qual ele já sabe antecipadamente o fim. Ele junta um grupo de amigos e vai andar de montanha russa, “a maior possível”, para sentir a “vertigem”. Para receber adrenalina.
O ser humano paga por doses de adrenalina. Claro, não se trata de algo assim tão nivelado na bioquímica. Mas ela está lá, por baixo das narrativas.
O grande pesquisador francês Edgar Morin diz em sua obra que o ser humano não deveria ser chamado de Homo Sapiens Sapiens, e sim de Sapiens Demens, devido a uma certa dose ou taxa de “loucura”. Essa essa taxa extra de loucura que, talvez, caracterize o humano e sua imensa imaginação.
Afinal, formigas não fazem excursões para andar de montanha russa, e nem escrevem sobre a experiência alucinante de andar em uma, não é?
4. Mimicry (imitação, mimetismo)
Por fim, o ser humano avançou na capacidade mimética. Animais mimetizam, insetos são especialistas nisso. Mas ficam nisso, estáveis. O ser humano simula e dissimula para parecer outra coisa. O ser humano desenvolveu as artes de representação. O que seria do Teatro, do Cinema, sem os artistas, as tramas e Mimicry? É um jogo. Sabemos que são atores a dizer um texto, mas durante a peça estamos naquela bolha suspensos no espaço. Miragem, alucinação, imaginação. Isso é humano, imensamente humano.
Agora procurem relacionar essas raízes com as suas próprias vidas e percebam como elas podem ser vistas de um ângulo muito interessante!
Bom exercício.
Gutenberg J.
Gutenberg J.
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