JOSÉ DIRCEU E LULA. PLANOS PARA O BRASIL? |
Depois do Mensalão
Olavo de Carvalho
17 Outubro 2012
Agora que os mensaleiros estão no fundo do poço, não cessam
de erguer-se vozes indignadas de petistas, comunistas e socialistas fiéis que
os condenam como oportunistas e traidores. Mas por que deveria algum líder ou
militante ser atirado à execração pública pela simples razão de ter cumprido à
risca a sua obrigação de revolucionário?
Não é certo que a estratégia marxista-leninista ordena e
determina não só atacar o Estado burguês desde fora, mas corrompê-lo desde
dentro sempre que possível para em seguida acusá-lo de depravado e ladrão e
substituí-lo pelo Partido-Estado?
Não é notório que, na concepção mais ampla e sutil de
Antonio Gramsci, inspirador e guia da nossa esquerda há meio século, a
corrupção do Estado não basta, sendo preciso estendê-la a toda a sociedade,
quebrantar e embaralhar todos os critérios morais e jurídicos para que, na
confusão geral, só reste como último símbolo de autoridade a vontade de ferro
da vanguarda partidária?
Não é óbvio e patente que, se na perspectiva gramsciana o
Partido é "o novo Príncipe", ele tem a obrigação estrita de seguir os
ensinamentos de Maquiavel, usando da mentira, da trapaça, da extorsão, do roubo
e do homicídio na medida necessária para concentrar em si todo o poder,
derrubando pelo caminho leis, instituições e valores?
Na perspectiva marxista, nenhum dos artífices do Mensalão
fez nada de errado, exceto o crime hediondo de deixar-se descobrir no final,
pondo em risco o que há de mais intocável e sagrado: a boa imagem do Partido e
da esquerda em geral.
Para não perceber uma coisa tão evidente, é preciso desviar
os olhos para os aspectos mais periféricos e folclóricos do episódio, apagando
da memória a essência, a natureza mesma do crime cometido.
Que foi, afinal, o Mensalão? Uma gigantesca operação de
compra de consciências. E para que as consciências foram compradas? Para
enriquecer os srs. José Dirceu, Genoíno, Valério e mais alguns outros? De
maneira alguma. Foram compradas para neutralizar o Legislativo e concentrar
todo o poder nas mãos do Executivo, portanto do Partido dominante. Que pode
haver de mais leal, de mais coerente com a tradição marxista?
Toda a geração que, cinquentona ou sessentona, chegou ao
poder nas últimas décadas foi educada num sistema moral onde as culpas pessoais
são insubstantivas em si mesmas, dependendo tão somente da cor política e
transmutando-se em virtudes tão logo tragam vantagem ao "lado certo"
do espectro ideológico.
Bem ao contrário: segundo o que essa gente aprendeu desde os
tempos da universidade, qualquer concessão à "moral burguesa", se não
é útil como jogo de cena provisório, é delito maior que a consciência revolucionária
não pode tolerar. Nessa ótica, que pode haver de mau ou condenável em juntar
dinheiro por meios ilícitos para comprar consciências burguesas e forçá-las a
trabalhar, volens nolens , para o Partido Príncipe?
Uma vez que se abandonou a via da revolução armada – não por
reverência ante a vida humana, mas por mera oportunidade estratégica –, que
outro meio existe de instaurar a "autoridade onipresente e invisível"
senão a corrupção sistemática dos adversários e concorrentes?
Não faltará quem, movido pela incapacidade geral brasileira
de conceber que um político, ao meter-se em tal embrulho, o faça movido por
ambições muito mais vastas que o mero desejo de dinheiro, levante aqui a
objeção: mas os mensaleiros não ficaram ricos?
Ficaram, é claro, mas desejariam vocês que eles depositassem
todo o dinheiro sujo na conta do Partido, atraindo suspeitas sobre a própria
organização em vez de protegê-la sob suas contas pessoais como bons agentes e
testas de ferro? Ou desejariam que, de posse de imensas quantias, continuassem
levando existências modestas, dando a entender que eram apenas paus mandados em
vez de expor-se como vigaristas autônomos e bandidos comuns sem cor política,
que é como agora são vistos por uma opinião pública supremamente inculta, sonsa
e – novamente – ludibriada?
Pois induzir o povo a vê-los exatamente assim,
salvaguardando a boa reputação do esquema de poder partidário que os criou e ao
qual serviram, é precisamente o objetivo de toda essa corja de moralistas improvisados que agora os
cobre de impropérios em nome da pureza e idoneidade da esquerda.
Os mensaleiros não são, é claro, bodes expiatórios
inocentes. São culpados parciais incumbidos de pagar sozinhos pela culpa geral
de uma organização que há trinta anos vem usando do discurso moral, com notável
eficiência, como disfarce e instrumento do crime.
Os que agora tentam se limpar neles são ainda piores que
eles. Pois o que fazem é tentar levar o povo a esquecer que os mensaleiros de
hoje são os moralistas de ontem, os mesmos que, nas CPIs dos anos 90, brilharam
como paladinos da lei e da ordem, enquanto já iam preparando, sob esse manto
cor de rosa, o esquema de poder monopolístico do qual o Mensalão viria ser nada
mais que instrumento. E para que fariam isso, se não fosse para aplanar o
terreno para novos e maiores crimes?
Se os indignados porta-vozes do antimensalismo esquerdista
tivessem um pingo de sinceridade, teriam se insurgido, anos atrás, contra o
acobertamento petista das Farc, organização terrorista e assassina, perto de
cujos crimes o Mensalão se reduz às proporções de um roubo de picolés num
carrinho da Kibon.
Como não o fizeram, a narcoguerrilha colombiana cresceu até
tornar-se, sob a proteção do Foro de São Paulo, a maior distribuidora de drogas
no mundo, prestes a receber do sr. Juan Manuel Santos, sabe-se lá em troca de
que, as chaves do poder político.
Olavo de Carvalho é ensaísta, jornalista e professor de
Filosofia
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