Escrevi aqui, algumas vezes, sobre a execução do sargento PM
Marcelo Fukuhara, em Santos, no início do mês. Também abordei a ligação entre
as práticas usadas pelo crime organizado, atualmente, e as táticas utilizadas
pelos terroristas dos anos 60/70 (que se auto-intitulam lutadores da luta
armada, um eufemismo apenas).
Quando
bandidos comuns perigosos e terroristas presos conviveram em prisões nos tempos
da ditadura, os primeiros aprenderam, com os segundos, um pouco da visão de
mundo marxista. Bandidos seriam, no fundo, boas pessoas, destruídos, depois
pela sociedade cruel. Nada mais rousseauniano.
Com isso, e com o culto à bandidagem e à malandragem que há
nas artes no Brasil, só poderia resultar o que se vê. Bandidos encarados romanticamente,
quase como justiceiros, Robin Hoods pátrios. São quase sempre cultuados pela
imprensa, que sempre desconfia da Polícia, e personagens ºcultuados” até, pela
adrenalina que produzem.
Assim, para entender a responsabilidade de intelectuais e
artistas na construção desse imaginário nacional, que vê nos bandidos seres simpáticos e
injustiçados, nada melhor que este texto, que reproduzo a seguir, extraído do
site do professor Olavo de Carvalho.
Leiam com a devida atenção e compreendam
melhor porque morreu o sargento Marcelo Fukuhara e qual a responsabilidade moral de
intelectuais, artistas e jornalistas nesse drama brutal.
O assombroso é que o artigo esteja em um livro publicado em
1996!, em sua terceira edição à época, “O Imbecil Coletivo – atualidade inculturais
brasileiras”, de Olavo de Carvalho. E o professor tocou nisso muitas vezes, mas
muita gente teima em resistir.
Gutenberg J.
ESTE BLOG PUBLICOU OS SEGUINTES TEXTOS SOBRE O CASO FUKUHARA:
A terrível execução do sargento Marcelo Fukuhara, em Santos, SP
O triste e dramático depoimento da esposa do sargento Marcelo Fukuhara
A morte do sargento Fukuhara, em Santos (SP), e as falhas da Polícia Militar e da Imprensa
A missa de sétimo dia do sargento Marcelo Fukuhara e os aliados da morte e da dor.
Marcelo Fukuhara. Santos (SP), uma cidade sob o domínio do mêdo.
IDEALIZAÇÃO DA BANDIDAGEM. PARA INTELECTUALÓIDES DE ESQUERDA, BANDIDOS SÃO VÍTIMAS DA SOCIEDADE. |
BANDIDOS & LETRADOS
Olavo de Carvalho
Entre as causas do banditismo carioca, há uma que todo o
mundo conhece mas que jamais é mencionada, porque se tornou tabu: há sessenta
anos os nossos escritores e artistas produzem uma cultura de idealização da
malandragem, do vício e do crime. Como isto poderia deixar de contribuir, ao
menos a longo prazo, para criar uma atmosfera favorável à propagação do
banditismo?
De Capitães da Areia até a novela Guerra sem Fim, passando
pelas obras de Amando Fontes, Marques Rebelo, João Antônio, Lêdo Ivo, pelo teatro
de Nelson Rodrigues e Chico Buarque, pelos filmes de Roberto Farias, Nelson
Pereira dos Santos, Carlos Diegues, Rogério Sganzerla e não-sei-mais-quantos, a
palavra-de-ordem é uma só, repetida em coro de geração em geração: ladrões e
assassinos são essencialmente bons ou pelo menos neutros, a polícia e as
classes superiores a que ela serve são essencialmente más (1).
Não conheço um único bom livro brasileiro no qual a polícia
tenha razão, no qual se exaltem as virtudes da classe média ordeira e pacata, no
qual ladrões e assassinos sejam apresentados como homens piores do que os
outros, sob qualquer aspecto que seja. Mesmo um artista superior como
Graciliano Ramos não fugiu ao lugar-comum: Luís da Silva, em Angústia, o mais
patológico e feio dos criminosos da nossa literatura, acaba sendo mais
simpático do que sua vítima, o gordo, satisfeito e rico Julião Tavares —
culpado do crime de ser gordo, satisfeito e rico. Na perspectiva de Graciliano,
o único erro de Luís da Silva é seu isolamento, é agir por conta própria num
acesso impotente de desespero pequeno-burguês: se ele tivesse enforcado todos
os burgueses em vez de um só, seria um herói. O homicídio, em si, é justo: mau
foi cometê-lo em pequena escala.
Humanizar a imagem do delinqüente, deformar, caricaturar até
os limites do grotesco e da animalidade o cidadão de classe média e alta, ou
mesmo o homem pobre quando religioso e cumpridor dos seus deveres — que neste
caso aparece como conformista desprezível e virtual traidor da classe —, eis o
mandamento que uma parcela significativa dos nossos artistas tem seguido
fielmente, e a que um exército de sociólogos, psicólogos e cientistas políticos
dá discretamente, na retaguarda, um simulacro de respaldo
"científico".
À luz da "ética" daí resultante, não existe mal no
mundo senão a "moral conservadora". Que é um assalto, um estupro, um
homicídio, perto da maldade satânica que se oculta no coração de um pai de
família que, educando seus filhos no respeito à lei e à ordem, ajuda a manter o
status quo? O banditismo é em suma, nessa cultura, ou o reflexo passivo e
inocente de uma sociedade injusta, ou a expressão ativa de uma revolta popular
fundamentalmente justa. Pouco importa que o homicídio e o assalto sejam atos
intencionais, que a manutenção da ordem injusta não esteja nem de longe nos
cálculos do pai de família e só resulte como somatória indesejada de milhões de
ações e omissões automatizadas da massa anônima. A conexão universalmente
admitida entre intenção e culpa está revogada entre nós por um atavismo marxista
erigido em lei: pelo critério "ético" da nossa intelectualidade, um
homem é menos culpado pelos seus atos pessoais que pelos da classe a que
pertence (2). Isso falseia toda a escala de valores no julgamento dos crimes.
Quando um habitante da favela comete um crime de morte, deve ser tratado com
clemência, porque pertence à classe dos inocentes. Quando um diretor de empresa
sonega impostos, deve ser punido com rigor, porque pertence à classe culpada.
Os mesmos que pedem cadeia para deputados corruptos fazem campanha pela
libertação do chefe do Comando Vermelho. Os mesmos que sempre se opuseram
vigorosamente à pena de morte para autores de homicídios citam como exemplar a
lei chinesa que manda fuzilar os corruptos, e repreendem o deputado Amaral
Netto, um apologista da pena de morte para os assassinos, por ser contrário à
mesma penalidade para os crimes de "colarinho branco". O Congresso,
ocupado em castigar vulgares estelionatários de gabinete, mostra uma soberana
indiferença ante o banditismo armado. Assim nossa opinião pública passa por uma
reeducação, que terminará por persuadi-la de que desviar dinheiro do Estado é
mais grave do que atentar contra a vida humana — princípio que, consagrado no
Código Penal soviético, punia o homicídio com dez anos de cadeia, e com pena de
morte os crimes contra a administração: dize-me quem imitas e eu te direi quem
és (3).
Se levada mais fundo ainda, essa "revolução
cultural" acabará por perverter todo o senso moral da população,
instaurando a crença de que o dever de ser bom e justo incumbe primeira e
essencialmente à sociedade, e só secundariamente aos indivíduos. Muitos
intelectuais brasileiros tomam como um dogma infalível esse preceito
monstruoso, que resulta em abolir todos os deveres da consciência moral individual
até o dia em que seja finalmente instaurada sobre a Terra a "sociedade
justa" — um ideal que, se não fosse utópico e fantasista em si, seria ao
menos inviabilizado pela prática do mesmo preceito, tornando os homens cada vez
mais injustos e maus quanto mais apostassem na futura sociedade justa e boa
(4). Um dos maiores pensadores éticos do nosso século, o teólogo protestante
Reinhold Niebuhr, mostrou que, ao longo da História, o padrão moral das
sociedades — e principalmente dos Estados — foi sempre muito inferior ao dos
indivíduos concretos. Uma sociedade, qualquer sociedade, pode permitir-se atos
que num indivíduo seriam considerados imorais ou criminosos. Por isto mesmo, a
essência do esforço moral, segundo Niebuhr, consiste em tentar ser justo numa
sociedade injusta (5). Nossos intelectuais inverteram essa fórmula, dissolvendo
todo o senso de responsabilidade pessoal na poção mágica da
"responsabilidade social". Alguns consideram mesmo que isto é muito
cristão, esquecendo que Cristo, se pensasse como eles, adiaria a cura dos
leprosos, a multiplicação dos pães e o sacrifício do Calvário para depois do
advento da "sociedade justa".
É absolutamente impossível que a disseminação de tantas
idéias falsas não crie uma atmosfera propícia a fomentar o banditismo e a
legitimar a omissão das autoridades. O governante eleito por um partido de
esquerda, por exemplo, não tem como deixar de ficar paralisado por uma dupla
lealdade, de um lado à ordem pública que professou defender, de outro à causa
da revolução com a qual seu coração se comprometeu desde a juventude, e para a
qual a desordem é uma condição imprescindível. A omissão quase cúmplice de um
Brizola ou de um Nilo Batista — homens que não têm vocação para tomar parte
ativa na produção cultural, mas que têm instrução bastante para não escapar da
influência da cultura produzida — não é senão o reflexo de um conjunto de
valores, ou contravalores, que a nossa classe letrada consagrou como leis, e
que vêm moldando as cabeças dos brasileiros há muitas décadas. Se o apoio a
medidas de força contra o crime vem sempre das camadas mais baixas, não é só
porque são elas as primeiras vítimas dos criminosos, mas porque elas estão fora
do raio de influência da cultura letrada. Da classe média para cima, a
aquisição de cultura superior é identificada com a adesão aos preconceitos
consagrados da intelligentzia nacional, entre os quais o ódio à polícia e a
simpatia pelo banditismo.
Seria plausível supor que esses preconceitos surgiram como
reação à ditadura militar. Mas, na verdade, são anteriores. A imagem do crime
na nossa cultura compõe-se em última análise de um conjunto de cacoetes e
lugares-comuns cuja origem primeira está na instrução transmitida pelo
Comintern em 24 de abril de 1933 ao Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro,
para que procurasse assumir a liderança de quadrilhas de bandidos, imprimindo
um caráter de "luta de classes" ao seu conflito com a lei (6).
A instrução foi atendida com presteza pela intelectualidade
comunista, que produziu para esse propósito uma infinidade de livros, artigos,
teses e discursos. Os escritores comunistas não eram muitos, mas eram os mais
ativos: tomando de assalto os órgãos de representação dos intelectuais e
artistas (7), elevaram sua voz acima de todas as outras e, logo, suas idéias
prevaleceram ao ponto de ocupar todo o espaço mental do público letrado. Hoje
vemos como foi profunda a marca deixada pela propaganda comunista na
consciência dos nossos intelectuais: nenhum deles abre a boca sobre o problema
da criminalidade carioca, que não seja para repetir os velhos lugares-comuns
sobre a miséria, sobre os ricos malvados, e para lançar na "elite" a
culpa por todos os assaltos, homicídios e estupros cometidos pelos habitantes
das favelas.
Ninguém ousa por em dúvida a veracidade das premissas em que
se assentam tais raciocínios — o que prova o quanto elas fizeram a cabeça da
nossa intelectualidade, o quanto esta, sem mesmo saber a origem de suas idéias,
continua repetindo e obedecendo, por mero automatismo, por mera preguiça mental,
os chavões que o Comintern mandou espalhar na década de 30.
De nada adianta a experiência universal ensinar-nos que a
conexão entre miséria e criminalidade é tênue e incerta; que há milhares de
causas para o crime, que mesmo a prosperidade de um wellfare State não elimina;
que entre essas causas está a anomia, a ausência de regras morais explícitas e
comuns a toda a sociedade; que uma cultura de "subversão de todos os
valores" e a glamurização do banditismo pela elite letrada ajudam a
remover os últimos escrúpulos que ainda detêm milhares de jovens prestes a
saltar no abismo da criminalidade. Contrariando as lições da História, da
ciência e do bom senso, nossos intelectuais continuam presos à lenda que faz do
criminoso o cobrador de uma dívida social. Alguns crêem mesmo nela, com uma
espécie de masoquismo patético, resíduo de uma sentimentalidade doentia
inoculada pelo discurso comunista nas almas frágeis dos "burgueses
progressistas": o escritor Antônio Callado, vendo sua casa arrombada,
levados seus quadros preciosos, repetia para si, entre inerme e atônito, a
sentença de Proudhon: "A propriedade é um roubo". Deveria recitar,
isto sim, o poema de Heine, em que um homem que dorme é atormentado em sonhos
por uma figura que, ameaçando-o com uma arma, lhe diz: "Eu sou a ação dos
teus pensamentos" (8).
Infelizmente, os pensamentos dos intelectuais não voltam só
contra seus autores os seus efeitos materiais. Erigida em crença comum, a lenda
do "Cobrador" — título de um conto aliás memorável de Rubem Fonseca —
produz devastadoras conseqüências reais sobre toda a população. Ela transforma
o delinqüente, de acusado, em acusador. Seguro de si, fortalecido em sua
auto-estima pelas lisonjas da intelligentzia, o assassino então já não aponta
contra nós apenas o cano de uma arma, mas o dedo da justiça; de uma estranha
justiça, que lança sobre a vítima as culpas pelos erros de uma entidade
abstrata — "o sistema", "a sociedade injusta" —, ao mesmo
tempo que isenta o criminoso de quase toda a responsabilidade por seus atos pessoais.
Perseguida de um lado pelas gangues de bandidos, acuada de outro pelo discurso
dos letrados, a população cai no mais abjeto desfibramento moral e já não ousa
expressar sua revolta. Qual uma mulher estuprada, envergonha-se de seus
sofrimento e absorve em si as culpas de seu agressor. Ela pode ainda exigir
providências da autoridade, mas o faz numa voz débil e sem convicção — e cerca
seu pedido de tantas precauções, que a autoridade, após ouvi-la, mais temerá
agir do que omitir-se. Afinal, é menos arriscado politicamente desagradar uma
multidão de vítimas que gemem em segredo do que um punhado de intelectuais que
vociferam em público.
Os intelectuais, neste país, são os primeiros a denunciar a
imoralidade, os primeiros a subir ao palanque para discursar em nome da
"ética". Mas a ética consiste basicamente em cada um
responsabilizar-se por seus próprios atos. E nunca vi um intelectual
brasileiro, muito menos um de esquerda, fazer um exame de consciência e
perguntar-se: "Será que nós também não temos colaborado para a tragédia
carioca?"
Não, nenhum deles sente a menor dor na consciência ao ver
que sessenta anos de apologia literária do crime de repente se materializaram
nas ruas, que as imagens adquiriram vida, que as palavras viraram atos, que os
personagens saltaram do palco para a realidade e estão roubando, matando,
estuprando com a boa consciência de serem "heróis populares", de
estarem "lutando contra a injustiça" com as técnicas de combate que
aprenderam na Ilha Grande. Os intelectuais literalmente não sentem ter
colaborado em nada para esse resultado. Não o sentem, porque décadas de falsa
consciência alimentada pela retórica marxista os imunizaram contra quaisquer
protestos da consciência moral. Eles possuem a arte dialética de sufocar a voz
interior mediante argumentos de oportunidade histórica. Ademais, detestam o
sentimento de culpa — que supõem ter sido inventado pela Igreja Católica para
manter as massas sob rédea curta. Não desejando, portanto, assumir suas
próprias culpas, exorcizam-nas projetando-as sobre os outros, e tornam-se, por
uma sintomatologia histérica bem conhecida, acusadores públicos, porta-vozes de
um moralismo ressentido e vingativo. Imbuídos da convicção dogmática de que a
culpa é sempre dos outros, eles estão puros de coração e prontos para o
cumprimento do dever. Qual dever? O único que conhecem, aquele que constitui,
no seu entender, a missão precípua do intelectual: denunciar. Denunciar os
outros, naturalmente. E aquele que denuncia, estando, por isto mesmo, ao lado
das "forças progressistas", fica automaticamente isento de prestar
satisfações à "moral abstrata" da burguesia, a qual, sem nada
compreender da dialética histórica, continua a proclamar que há atos
intrinsecamente maus, independentemente das condições sociais e políticas:
"moral hipócrita", ante a qual — pfui! — o intelectual franze o nariz
com a infinita superioridade de quem conhece a teleologia da história e já
superou — ou melhor, aufhebt jetzt — na dialética do devir o falso conflito
entre o bem e o mal...
Mas a colaboração desses senhores dialéticos para o
crescimento da criminalidade no Rio foi bem mais longe do que a simples
preparação psicológica por meio da literatura, do teatro e do cinema: foram
exemplares da sua espécie que, no presídio da Ilha Grande, ensinaram aos
futuros chefes do Comando Vermelho a estratégia e as táticas de guerrilha que o
transformaram numa organização paramilitar, capaz de representar ameaça para a
segurança nacional. Pouco importa que, ao fazerem isso, os militantes presos tivessem
em vista a futura integração dos bandidos na estratégia revolucionária, ou que,
agindo às tontas, simplesmente desejassem uma vingança suicida contra a
ditadura que os derrotara: o que importa é que, ensinando guerrilha aos
bandidos, agiram de maneira coerente com os ensinamentos de Marcuse e Hobsbawn
— então muito influentes nas nossas esquerdas —, os quais, até mesmo
contrariando o velho Marx, exaltavam o potencial revolucionário do
Lumpenproletariat.
Nenhum desses servidores da História sente o menor remorso,
a menor perturbação da consciência, ao ver que suas lições foram aprendidas,
que suas teorias viraram prática, que sua ciência da revolução armou o braço
que hoje aterroriza com assaltos e homicídios a população carioca. Não: eles
nada fizeram senão acelerar a dialética histórica — e não existe mal senão em
opor-se à História. Com a consciência mais limpa deste mundo, eles continuam a
culpar os outros: o capitalismo, a política econômica do governo, a polícia, e
a verberar como "reacionários" e "fascistas" os cidadãos,
ricos e pobres, que querem ver os assassinos e traficantes na cadeia.
Mas os intelectuais da esquerda não se limitaram a criar o
pano de fundo cultural propício e a elevar pelos ensinamentos técnicos o nível
de periculosidade do banditismo; eles deram um passo além, e colheram os frutos
políticos do longo namoro com a delinqüência: o apoio dos bicheiros — o que é o
mesmo que dizer: dos traficantes — foi a principal base de sustentação popular
sobre a qual se ergueu no Rio o império do brizolismo, a ala mais tradicional e
populista da esquerda brasileira.
Sob a égide do brizolismo, as relações entre
intelectualidade esquerdista e banditismo transformaram-se num descarado
affaire amoroso, com a ABI dando respaldo à promoção do livro Um contra Mil, em
que o quadrilheiro William Lima da Silva, o "Professor", líder do
Comando Vermelho, faz a apologia do crime como reação legítima contra a
"sociedade injusta".
Um pouco mais tarde, quando a criminalidade organizada já
estava bem crescida a ponto de requerer uma intervenção do governo federal, o
que se verificou foi que a esquerda não se limitara a colaborar com os
bandidos, mas se ocupara também de debilitar seus perseguidores; que a CUT e o
PT, infiltrando-se na Polícia Federal, haviam tornado esta organização mais
ameaçadora para o governo federal do que para traficantes e quadrilheiros (9).
E finalmente, quando o governo federal, vencendo
resistências prodigiosas, finalmente se decide a agir e incumbe o Exército de
dirigir a repressão ao banditismo no Rio, a intelectualidade de esquerda, como
não poderia deixar de ser, inicia uma campanha surda de desmoralização do
comando militar das operações, seja com advertências alarmistas quanto à
possibilidade de "abusos" contra os moradores das favelas, seja com
toda sorte de gracejos e especulações sobre as fragilidades da estratégia
adotada, seja com argumentações pseudocientíficas sobre a inconveniência do
remédio adotado, dando a entender que os riscos de uma intervenção militar são
infinitamente maiores que o da anarquia sangrenta instalada no Rio. Tudo isto
prepara o terreno para uma investida maior, em que entidades autonomeadas
representantes da "sociedade civil" — as mesmas que promoveram a
elevação dos chefes do Comando Vermelho ao estatuto de "lideranças
populares" — se unirão para pedir a retirada das Forças Armadas e a
devolução dos morros a seus eternos governantes, lá entronizados pelas graças
da deusa História (10).
Resumindo, pela ordem cronológica: a esquerda, primeiro,
criou uma atmosfera de idealização do banditismo; segundo, ensinou aos
criminosos as técnicas e a estratégia da guerrilha urbana; terceiro, defendeu
abertamente o poder das quadrilhas, propondo sua legitimação como
"lideranças populares"; quarto, enfraqueceu a Polícia Federal como
órgão repressivo, fortalecendo-a, ao mesmo tempo, como instrumento de agitação;
quinto, procurou boicotar psicologicamente a operação repressiva montada pelas
Forças Armadas, tentando atrair para ela a antipatia popular. Não é humanamente
concebível que tudo isso seja apenas uma sucessão de coincidências fortuitas.
Se a continuidade perfeitamente lógica das iniciativas da esquerda em favor do
banditismo não reflete a unidade de uma estratégia consciente, ela expressa ao
menos a unanimidade de um estado de espírito, a fortíssima coesão de um nó de
preconceitos contra a ordem pública e a favor da delinqüência. Para a nossa
esquerda, decididamente, assassinos, ladrões, traficantes e estupradores estão
alinhados com as "forças progressistas" e destinados a ser redimidos
pela História pela sua colaboração à causa do socialismo. Quanto a seus
perseguidores, identificam-se claramente com as "forças reacionárias"
e irão direto para a lata de lixo da História. No que diz respeito às vítimas,
enfim, pode-se lamentá-las, mas, como dizia tio Vladimir, quê fazer? Não se
pode fritar uma omelette sem quebrar os ovos...
Para completar, é mais que sabido que artistas e
intelectuais são um dos mais ricos mercados consumidores de tóxicos e que não
desejam perder seus fornecedores: quando defendem a descriminalização dos
tóxicos, advogam em causa própria. Mas eles não são apenas consumidores: são
propagandistas. Quem tem um pouco de memória há de lembrar que neste país a
moda das drogas, na década de 60, não começou nas classes baixas, mas nas
universidades, nos grupos de teatro, nos círculos de psicólogos, rodeada do
prestígio de um vício elegante e iluminador. Foi graças a esse embelezamento
artificial empreendido pela intelligentzia que o consumo de drogas deixou de
ser um hábito restrito a pequenos círculos de delinqüentes para se alastrar
como metástases de um câncer por toda a sociedade: Si monumentum requires,
circumspicii.
É de espantar que nessas condições o banditismo crescesse
como cresceu? É de espantar que, enquanto a população maciçamente clama por uma
intervenção da autoridade e aplaude agora a chegada dos fuzileiros aos morros,
a intelectualidade procure depreciar a atuação do Exército e não se preocupe
senão com a salvaguarda dos direitos civis dos eventuais suspeitos a serem
detidos, como se a eliminação do banditismo armado não valesse o risco de
alguns abusos esporádicos?
O que seria de espantar é que os estudos pretensamente
científicos sobre as causas do banditismo jamais assinalem entre elas a
cumplicidade dos intelectuais, como se os fatores econômicos agissem por si e
como se a produção cultural não exercesse sobre a ordem ou desordem social a
menor influência, mesmo quando essa cumplicidade passa das palavras à ação e se
torna um respaldo político ostensivo para a ação dos quadrilheiros. Seria de
espantar, digo, se não se soubesse quem são os autores de tais estudos e as
entidades que os financiam.
Há décadas nossa intelligentzia vive de ficções que
alimentam seus ódios e rancores e a impedem de enxergar a realidade. Ao mesmo
tempo, ela queixa-se de seu isolamento e sonha com a utopia de um amplo
auditório popular. Mas é a incultura do nosso povo que o protege da
contaminação da burrice intelectualizada. "Incultura" é um modo de falar:
será incultura, de fato, privar-se de consumir falsos valores e slogans
mentirosos? Não: mas quando houver neste país uma intelectualidade à altura de
sua missão, ela será ouvida e compreendida. Por enquanto, se queremos ver o
nosso Rio livre do flagelo do banditismo, a primeira coisa a fazer é não dar
ouvidos àqueles que, por terem colaborado ativamente para a disseminação desse
mal, por mostrarem em seguida uma total incapacidade de arrepender-se de seu
erro, e finalmente por terem o descaramento de ainda pretender posar de
conselheiros e salvadores, perderam qualquer vestígio de autoridade e puseram à
mostra a sua lamentável feiúra moral.
OLAVO DE CARVALHO
NOTAS
Os rappers presos em São Paulo no dia 27 de novembro por
incitação à violência cantavam: "Não confio na polícia, raça do
caralho." É a culminação de seis décadas de cultura antipolicial, que teve
outro momento memorável com "Chame o ladrão" de Chico Buarque. Mas
depois que Gabriel o Pensador foi aplaudido pela intelligentzia ao expressar
"artisticamente" seu desejo de matar um Presidente da República, que
mais se pode esperar? Segundo o ex-procurador da República, Saulo Ramos, não há
crime de incitação à violência "em obras artísticas". Mas será que
faz sentido exigir bons serviços, honradez e patriotismo de uma classe
profissional cuja detração constante e sistemática já foi incorporada à cultura
nacional, sob a proteção do Estado? Não constituirá isso discriminação
atentatória de um direito fundamental, numa clara violação do Art. 5º, § XLI da
Constituição Federal? Se a letra do rap não tipifica o crime de incitação à
violência, ela é uma clara apologia do preconceito. Por que não haverá crime em
chamar de "raça do caralho" toda uma categoria profissional, se é
crime usar o mesmo epíteto contra judeus ou negros? Será o elo racial mais
sacrossanto ou digno de proteção oficial do que a comunidade de profissão,
mesmo quando se trate de uma categoria de servidores do Estado? Outra coisa:
qualquer porcaria posta em música é "obra artística"? Quem conhece a
natureza antes publicitária e comercial do que artística de pelo menos oitenta
por cento da música popular entende que o termo "arte" tem servido
apenas como um salvo-conduto para a prática do crime. O povo, em todo caso, já
julgou os rappers: apedrejou-os.
A perda do senso da conexão entre intenção e culpa é um
grave sintoma de patologia da personalidade. Não obstante, vi pela TV Record (
programa 25ª Hora de 28 de novembro ) a deputada Irede Cardoso defender a
legalização do aborto sob o argumento de que, quando ocorrido por causas
naturais, ele não é crime; sendo portanto, na opinião de S. Excia., uma odiosa
discriminação puni-lo só quando é realizado por livre vontade da mulher ¾ um
raciocínio que, embora S. Excia. não perceba, se aplica ipsis litteris à morte
de modo geral. Considero realmente grave que haja pessoas dispostas a polemizar
a sério com alguém capaz de dizer uma coisa dessas, que só pode ser respondida
com uma forte dose de triperidol.
Decorrido um ano desde a publicação deste artigo, vejo que
ele inibiu um pouco a apologia do banditismo, mas não eliminou de todo os
preconceitos em que ela se fundamenta. Numa entrevista nas páginas amarelas de
Veja em novembro de 1995, o delegado Hélio Luz, um sujeito que está a léguas de
qualquer cumplicidade consciente com alguma coisa ilícita, cai numa escandalosa
contradição ao descrever a situação presente do Rio de Janeiro, precisamente
porque sua visão é distorcida pelo viés de um preconceito de classe. De um
lado, ele afirma que o maior problema da polícia carioca é que os bandidos têm
armas melhores e em maior quantidade que os policiais; de outro, que a
prioridade no combate ao crime não é o confronto direto com as quadrilhas
armadas, mas a investigação dos figurões, dos homens da classe alta que
financiam o crime organizado. Ora, um sujeito com a cabeça cheia de intenções
criminosas mas armado apenas de talão de cheques não representa senão um perigo
virtual e de longo prazo: para efetivar suas intenções ele tem de contatar,
recrutar, equipar e treinar um esquadrão de pés-de-chinelo, o que não se faz em
dois dias, e, para complicar as coisas, tem de fazer tudo isso por vias
indiretas, por interpostas pessoas, para manter oculta sua respeitável
identidade. Quem está nas ruas assaltando e matando, quem representa o perigo
imediato para a população, são pés-de-chinelo armados de granadas e
metralhadoras, e não os colarinhos-brancos que os contrataram dez ou doze anos
atrás. Em segundo lugar, é absolutamente impossível que quadrilhas a soldo de
algum ricaço não tenham, depois de tanto tempo de exercício profissional,
adquirido autonomia financeira para dispensar seus antigos patrões e operar por
conta própria. Terceiro, se a polícia prende um colarinho-branco, os
pés-de-chinelo que trabalhavam para ele vão imediatamente pedir emprego a outro
empresário do crime — exatamente como os esbirros da Máfia trocavam de famiglia
em caso de morte ou prisão do seu capo — ou então estabelecem-se por conta
própria, de modo que, saneadas as classes altas, a vida do povão das ruas
continuará um inferno. Há em todo o raciocínio do delegado Luz a típica
confusão do homem de formação marxista entre causas e fatos, entre as raízes
sociais do crime e o crime como tal. Baseado nessa confusão, ele crê que a
missão precípua da autoridade é eliminar as causas remotas do crime, e não
combater a criminalidade de facto. Ora, pergunto eu: se um cachorro feroz
investe de dentes à mostra contra o delegado Luz, qual a reação que ele
considera mais urgente nesse instante: dominar o cão ou multar o proprietário?
E se as ruas estão infestadas de cães raivosos, que diremos de uma polícia que
em vez de amarrá-los vai primeiro investigar quem são seus donos? O banditismo
não é uma estrutura, uma instituição monárquica em que, cortada a cabeça, o
corpo inteiro venha abaixo: é um ser caótico e proteiforme, capaz de
reorganizar-se instantaneamente de milhões de maneiras diferentes, por milhões
de artifícios imprevistos; logo, é utópico pretender liquidá-lo em bloco,
atacando-se somente os centros de comando: ele tem de ser combatido no varejo,
bandido por bandido, rua por rua, bala por bala. Aqui ocorre exatamente como em
certas doenças que, uma vez instaladas, já não se pode atacar suas causas
profundas antes de eliminar seus efeitos e sintomas mais imediatos e perigosos.
O médico que, diante do doente diarréico por má alimentação, tratasse de
remover primeiro as causas, alimentando o doente antes de suprimir o sintoma
imediato, obteria um único resultado seguro: a morte do paciente. — De outro
lado, é somente a demagogia mais estúpida que pode pretender eliminar o
banditismo mediante passeatas e protestos, como se assaltantes e sequestradores
fossem colarinhos-brancos ciosos de sua imagem respeitável. Tudo isso revela
uma recusa obstinada de enfocar o problema do banditismo no plano em que ele se
coloca — que é obviamente de ordem policial-militar — e um desejo obsessivo de
encará-lo pelo viés político, um terreno onde nossa intelectualidade se sente
mais segura mas que está longe daquele onde o problema reside.
A maldade que se legitima sob a alegação de lutar por uma
sociedade justa é a essência mesma da moral socialista. Quem quiser saber mais
a respeito, leia Os Demônios de Dostoiévski, que descobriu a natureza dessa
perversão quando ela estava ainda em germe.
V. Reinhold Niebuhr, Moral Man and Immoral Society. A Study
in Ethics and Politics, New York, Scribner’s, 1960 ( 1st. ;ed., 1932 ).
Cf. documento citado em William Waack, Camaradas. Nos
Arquivos de Moscou. História Secreta da Revolução Brasileira de 1935, São
Paulo, Companhia das Letras, 1993, pp. 55-56.
Um episódio célebre dessa epopéia teve como herói o poeta
Carlos Drummond de Andrade, secretário do Congresso Nacional de Escritores, que
teve de defender a pontapés as atas do encontro para que não fossem roubadas
pelos comunistas interessados em falsificar o resultado das eleições para a
ABDE.
O escritor Antônio Callado, ao ler estas linhas, teve um
acesso de cólera e escreveu ao JB protestando contra a publicação do meu
artigo, no qual apontava três pecados infames: 1º, ser assinado por um ilustre
desconhecido; 2º, errar na qualificação dos objetos roubados, que na verdade
não eram quadros, mas instrumentos óticos sem grande valor; 3º, não entender o
sentido irônico da citação de Proudhon. Saltando sobre a primeira acusação, que
era tola demais, respondi que: 1º, os objetos roubados poderiam ter sido meias,
ou tacos de bilhar, que não faria a menor diferença para o meu argumento; 2º, a
ironia, se alguma houvera, fora antes involuntária. Callado, vendo desmascarada
a ambiguidade de sua atitude ante a violência carioca, e não tendo o que opor
aos meus argumentos, se apegara a detalhes bobos no intuito de me desmoralizar.
— Passados alguns dias, a colunista Joyce Pascowitch, na Folha de S. Paulo,
informava que, do alto de seu chateau-sur-mer numa praia baiana, Caetano Veloso
estava "indignado" com minhas acusações à intelectualidade — como se
espumar de raiva fosse uma refutação. O Globo, por sua vez, trazia uma
declaração do antropólogo Gilberto Velho, que condenava sumariamente o meu
artigo ( dispensando-se de alegar alguma razão para tanto, talvez por julgar
que sua opinião é auto-probante ), e aproveitava para falar mal do meu livro
Uma Filosofia Aristotélica da Cultura, que, surpreendentemente, admitia não ter
lido. A completa irracionalidade destas três reações é a melhor comprovação de
que a tese d’O Imbecil Coletivo, lamentavelmente, está certa: algo no cérebro
nacional não vai bem.
"A Polícia Federal perdeu todo o seu potencial de
atuação. O contrabando liberou geral em todas as fronteiras. Milhares de
inquéritos prescrevem nas delegacias da PF, por descaso e falta de pessoal,
aumentando a impunidade." O quadro, delineado pelo Prof. Paulo Sérgio
Pinheiro ( "Crime e Governabilidade", Jornal do Brasil, 14 nov. 1994
) é perfeitamente exato. Mas, se o professor diz a verdade genérica, oculta a
específica. A decadência da Polícia Federal coincide com a sua infiltração
maciça por agentes do PT e da CUT, que transformaram esse órgão repressivo numa
máquina de agitação incapaz de cumprir seus deveres legais mas capaz de
intimidar o governo com greves, passeatas, badernas, ameaças e rojões
disparados contra as vidraças dos ministérios. Armando a Polícia Federal contra
as autoridades, a agitação petista desarma-a, ipso facto, contra o banditismo.
Como não convém dizer isto, o professor acusa genericamente "o
governo" por um descalabro policial do qual o governo é, na verdade, a
vítima. Não é de hoje que a esquerda recorre ao expediente de provocar a
desordem para em seguida acusar o governo de não manter a ordem.
Jogar sobre "o governo" as culpas da esquerda
parece ser de fato a estratégia mental do professor:
"O crime organizado e as quadrilhas puderam assumir o
controle de muitos espaços somente com o assentimento de vários escalões do
poder público. Os governos estaduais não desarmam as quadrilhas porque não
convém aos interesses de vários grupos incrustados dentro do aparelho de Estado
ou em grupos sociais que lhes dão base política."
O professor não esclarece que grupos são esses. O modo vago
e impreciso de falar deixa no ar a impressão de referir-se a algo já sabido e
pressuposto, a um lugar-comum. "Grupos incrustados no aparelho de
Estado" é uma expressão que designa corriqueiramente os banqueiros, os
senhores do capital, os empreiteiros, os políticos de direita que deram apoio à
ditadura. Será destes que o professor está falando? Não pode ser. Não existe a
menor notícia de uma ligação entre essa gente e os bandidos do morro. Mas os
grupos que têm efetivamente essa ligação o professor não pode citar pelos nomes
— pois são grupos de esquerda: são os ex-guerrilheiros e algumas velhas
lideranças do tempo do janguismo, que após o exílio se refizeram na política
com a ajuda dos bandidos e agora continuam "incrustados no aparelho de
Estado". Acusar estes grupos não fica bem: seria dividir as forças da
esquerda, coisa que um gentleman como o Prof. Pinheiro jamais se permitiria.
Então ele prefere falar vagamente, de modo que, pela automática associação de
idéias, a má impressão acabe indo para o lado da direita e da "elite"
— que obviamente não inclui a intelligentzia.
O professor não esconde seu intuito de desmoralizar o
trabalho das Forças Armadas: "Libertemo-nos da fantasia de coreografias
bélicas inúteis." E oferece, em lugar da fantasia, a solução real,
"científica": "A participação das Forças Armadas deve ser
submetida ao comando civil." Qual comando civil? O do governo estadual
que, por omissão e cumplicidade, gerou o atual estado de coisas? Ou o governo
federal que, determinando a intervenção das Forças Armadas, já está comandando
o processo? Entre o absurdo e a redundância, a proposta do professor permanece
indefinida. Indefinida, mas nem tanto. Linhas adiante ele finalmente abre o
jogo: "No Rio de Janeiro é impensável pensar em realizar alguma iniciativa
consistente sem a participação das entidades que compõem o Viva Rio." Eis
aí o segredo: o comando da luta contra o crime não pode ficar com as Forças
Armadas nem com os governantes civis eleitos, estaduais ou federais: tem de ser
transferido para as entidades autonomeadas "representantes da sociedade
civil" — isto é, em última análise, para a intelligentzia esquerdista. Meu
Deus, será que neste país todo mundo só discursa pro domo sua? A mentalidade
atávica, que mais teme a hipótese superada do militarismo do que a ameaça real
e presente da delinqüência armada, acaba reinterpretando a situação de acordo
com a ótica dos interesses de seu próprio grupo, tomados como mais urgentes e
importantes do que as necessidades da população: em vez de ajudar na luta de um
povo contra o banditismo, vamos desviar nossas energias para o velho conflito
entre a intelligentzia e os militares — um episódio já encerrado da História,
que o prof. Pinheiro pretende ressuscitar em prejuízo das tarefas de hoje.
Olhando o presente com os olhos do passado, ele mostra que está menos
interessado na luta contra o crime do que em assegurar, nela, um posto de
comando para a casta a que pertence, que ele pressupõe ser mais confiável do
que as Forças Armadas ou do que o governo federal eleito. A intelligentzia é a
mais corporativista das corporações.
Foi isto realmente o que acabou por acontecer, poucos meses
após a publicação deste artigo no Jornal do Brasil.
TEXTO EXTRAÍDO DO SITE DO FILÓSOFO OLAVO DE CARVALHO:
IMAGENS DE CRIMINOSOS ARMADOS:
JOVENS EM PÉ COM ARMAS PESADAS:
JOVENS SENTADOS COM ARMAS PESADAS:
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