"A novela "Mensalão"
Percival
Puggina
12 Outubro 2012
A novela do Mensalão, leitores, enquanto exibe a aparência
de produzir uma redentora vitória do bem sobre o mal, oculta uma segura vitória
do mal sobre o bem.
Aproximamo-nos dos últimos capítulos da novela
"Mensalão", uma das poucas grandes obras da dramaturgia brasileira,
encenada para tevê, que não foi mostrada nas telas da Globo. A novela rodou
seus capítulos no até então obscuro canal da TV Justiça. Como convém às mais
sadias exibições públicas, tudo parece apontar para uma consagradora vitória do
bem sobre o mal. As patifarias, as maquinações, os fingimentos, foram, aos
poucos, sendo descobertos.
A maligna trama, que
conspirou contra nossa democracia e contra os valores republicanos, foi
aflorando do script e compondo um tecido lógico de participações, motivações e
ações.
Foi uma novela diferente. Muito diferente. Observe que o
elenco principal jamais foi visto em cena. Trata-se, portanto, de uma concepção
inovadora, digna de Nelson Rodrigues! Uma novela conduzida de tal forma que os
personagens reais, malgrado terem sido objeto de todos os capítulos, cada qual
tendo seu próprio rol e rolo desfiado ante os olhos do público, em momento
algum se fizeram visíveis.
Mais notável ainda: à medida em que a urdidura era desvelada
e caminhava para seu grand finale, foi ganhando forma, por trás do numeroso
grupo de personagens, a figura central do drama - o ator sem atuar, o motivador
silencioso de toda a obra. Mesmo inominado no roteiro, mesmo envolto num véu de
silêncios infinitos, ainda assim ele explode no centro da trama como parte de
um processo de elaboração mental do próprio telespectador.
E todos nós, sem exceção, se de repente nos fosse pedido,
hoje, para indicar o nome do cara por trás dos caras, não divergiríamos quanto
ao seu nome, ao seu apelido e ao seu sobrenome. É ou não coisa para se aplaudir
de pé, jogando flores ao palco?
Acertam-se, agora, os lances finais. Afere-se, na balança de
Têmis, o peso das culpas. Os personagens pagarão por seus erros. Carregarão
sobre si o encargo adicional de saberem que alguém, maior do que todos eles,
está em casa, tomando uma cervejinha e assistindo a novela pela tevê. Tenho
certeza de que o leitor destas linhas, ao compreender o quanto foi prodigiosa a
novela que assistiu nos últimos meses, deve estar se perguntando: "Por que
a colocas no nível de Nelson Rodrigues? Por que não Shakespeare?".
Respondo: os personagens canalhas de Nelson Rodrigues foram
insuperáveis. Não há nada assim em Shakespeare. A novela do Mensalão, leitores,
enquanto exibe a aparência de produzir uma redentora vitória do bem sobre o
mal, oculta uma segura vitória do mal sobre o bem.
Em algum lugar do país, o cara por trás dos caras afirma que
a novela não existiu e ri do drama vivido pelos que foram apanhados nas largas
malhas com que nossas instituições capturam peixes!
TEXTO REPRODUZIDO DO SITE MÍDIA SEM MÁSCARA:
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