Quando pensamos que as coisas chegaram ao fim, o novo lance é mais estranho, rocambolesco e escabroso que o anterior. Há dez anos no poder, os petistas nos assombram com os escândalos, em sequência, como uma cascata infindável de absurdos.
É nas horas assim que se pode perceber como Lula é especial. Ao mesmo tempo em que parece ter conhecimento de tudo, pois nunca parou de dar conselhos a governantes e a criticar sem parar seus adversários, revela-se também um ignorante. Ignora tudo o que se passa à sua volta, especialmente escândalos que envolvam gente de seu partido e auxiliares.
Lula é uma ilha cercada de más notícias por todos os lados, mas protegido por uma muralha de inocência e candura. Por isso ele é tão estimado. É um inocente convicto, apesar de todo o mal que teima em cercá-lo.
É sobre isso que escreve Ricardo Noblat em seu blog de O Globo.
Um texto interessante para refletir sobre estes tempos estranhos em que vivemos aqui no Brasil.
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Sai o Mensalão. Entra o Rosegate
Ricardo Noblat
Curioso. Líderes do PT dizem não ser "adequado"
ligar Lula a Rosemary Nóvoa de Noronha, indiciada na semana passada pela
Polícia Federal por crime de corrupção ativa, e ameaçada de ser presa a
qualquer momento.
Ora, pois. Por que não seria adequado?
Foi Lula que escolheu a moça para ser sua secretária depois
de ela ter secretariado durante 12 anos o ex-ministro José Dirceu. Rosemary era
reconhecidamente uma moça prendada.
Foi Lula que mais tarde nomeou a moça para a chefia do
gabinete da presidência da República, em São Paulo. Ali quem
desejava vê-lo tinha de passar antes pelo crivo de Rosemary, a dona da maçaneta
da porta presidencial.
Foi Lula, apesar de dispor de gente habilitada para isso em
Brasília, quem incumbiu Rosemary de acompanhá-lo em viagens a 24 países entre
2008 e 2009 - em média uma por mês.
Foi Lula que forçou o Senado a desrespeitar o seu próprio
regimento interno para que Paulo Vieira, indicado por Rosemary, ganhasse uma
das diretorias da Agência Nacional de Águas (ANA).
Foi Lula, mais uma vez acionado por Rosemary, que também
empregou Rubens, irmão de Paulo, como diretor da Agência Nacional de Avião
Civil.
Paulo está preso desde a semana passada, apontado pela
Polícia Federal como chefe de uma quadrilha que fraudava pareceres técnicos de
agências reguladoras e de órgãos federais.
Rubens também está preso por fazer parte da quadrilha, assim
como outro irmão dele, o empresário Marcelo Rodrigues.
Foi Lula que interferiu junto a Dilma para que Rosemary
permanecesse como chefe do gabinete da presidência, em São Paulo.
A Polícia Federal gravou 122 telefonemas trocados entre Lula
e Rosemary de março do ano passado a outubro deste ano. Uma média de cinco
ligações por dia*. Fora e-mails passados por Rosemary com referências a Lula.
Sabe como Rosemary chamava Lula? De presidente? Não. José
Dirceu chamava Lula de presidente. Antonio Palocci chamava Lula de presidente.
Gilberto Carvalho, idem. Rosemary chamava Lula de "Luiz Inácio". E
ainda chama.
Quem reclamava da sua falta de cerimônia no tratamento
conferido ao presidente da República, ouvia dela muitas vezes: "Tenho
intimidade com ele. Trato como quero. E daí?".
Não exagerava. Com frequência, sempre que viajava ao
exterior acompanhando Lula, Rosemary se hospedava em apartamento próximo ao
dele. Assim poderia atendê-lo com a presteza necessária.
Como, portanto, não seria adequado ligar Lula a Rosemary?
Não separe o que o destino uniu!
Lula deu uma de fraco, de cínico e de dissimulado ao comentar
a propósito da enrascada em
que Rosemary se meteu: "Eu me sinto apunhalado pelas
costas".
Que falta de originalidade!
Quando estourou o escândalo do mensalão e Lula falou em
cadeia nacional de rádio e de televisão para pedir desculpas aos brasileiros,
ele disse que fora traído. E acrescentou:
- Fui apunhalado pelas costas.
Sob a ótica religiosa, Lula é o São Sebastião da política
nacional, flechado por todos os lados. Sob a ótica pagã, é o Tufão, personagem
da novela "Avenida Brasil", enganado pelas mulheres.
Rosemary leva vida modesta. Empregou o marido e uma filha no
governo, mas não tem dinheiro para fazer face a uma eventual emergência médica,
por exemplo.
Na condição de interlocutora privilegiada de Lula, recebia
mimos aqui e acolá. Eram retribuições de favores que ela fazia. Nada de grande
valor. E, no entanto, em pedindo tudo lhe seria dado. Quem duvida?
Ela pediu para Paulo Vieira o emprego na ANA. Mas quem pediu
a Rosemary para que pedisse a Lula o emprego almejado por Paulo?
Carlos Minc, na época ministro do Meio Ambiente, sugerira a
Lula o nome de uma técnica para a vaga que acabaria ocupada por Paulo. Lula
desprezou a sugestão de Minc. Que no último fim de semana fez uma espantosa
confissão:
- Naquela época, o nome desse cara (Paulo Vieira) já não
cheirava bem.
Por que Minc não procurou Lula naquela época para adverti-lo
de que o nome de Paulo cheirava mal? Por que Minc não conta agora o que sabia a
respeito dele?
Por que Lula não explica seu esforço para emplacar Paulo na
ANA?
Ao chegar no Senado o nome de Paulo, líderes do PMDB
procuraram líderes do DEM e do PSDB e propuseram:
- Vamos derrubar a indicação?
"Eu topei porque meu negócio como líder do DEM era
derrotar o governo sempre que pudesse", relembra José Agripino Maia (RN),
hoje presidente do partido. Pelo mesmo motivo, topou o líder do PSDB, Arthur
Virgílio.
Na votação em plenário deu empate. No mesmo dia, ao se
repetir a votação, a indicação foi derrotada pela diferença de um voto. Não
poderia haver uma terceira votação, segundo a Comissão de Constituição e
Justiça do Senado.
Dali a quatro meses houve, sim, por insistência de Lula. O
DEM e o PSDB foram pegos de surpresa. O PMDB havia sido apaziguado por ação
direta dos senadores José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL).
A sombra de José Dirceu pesa sobre a história investigada
pela Polícia Federal desde o ano passado, revela a procuradora federal Suzana
Fairbanks.
Em 2003, primeiro ano do primeiro governo Lula, Paulo Vieira
filiou-se ao PT. No ano seguinte, teve 55 votos e não se elegeu vereador em Gavião Peixoto,
cidade de menos de cinco mil habitantes a 310 quilômetros da capital paulista.
Paulo tirou a sorte grande em 2005: foi nomeado pelo então
ministro chefe da Casa Civil José Dirceu para o cargo de assessor especial de
controle interno do Ministério da Educação.
Rosemary sempre recorria a Dirceu para atender interesses da
quadrilha comandada por Paulo, assegura a procuradora Fairbanks. Costumava
citá-lo como "JD".
Paulo usou o nome de Dirceu para tentar obter a ajuda de
Cyonil da Cunha Borges, auditor do Tribunal da Contas da União e, ao fim e ao
cabo, delator do esquema desmontado pela Polícia Federal.
Cyonil chegou a receber R$ 100 mil dos R$ 300 mil que Paulo
lhe prometera em troca de um parecer favorável à Tecondi, empresa que opera no
Porto de Santos. Dirceu prestava consultoria à empresa, de acordo com Paulo.
Como os R$ 200 mil restantes não lhe foram pagos, Cyonil
bateu às portas da Polícia Federal, devolveu os R$ 100 que embolsara e entregou
todo mundo.
Dirceu nega tudo.
Lula nada diz.
Rosemary jura inocência e ameaça falar caso seja presa.
Sai de cena o Escândalo do Mensalão.
Entra o Rosegate. Alguma sugestão melhor de nome?
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