Os histéricos no poder
Olavo de Carvalho
13 Dezembro 2012
O histérico não sente o que percebe, mas o que imagina.
"A presença de um grande número de histéricos nos altos
postos de uma sociedade é garantia de deterioração de todas as relações
humanas, de proliferação incontrolável da mentira, da desonestidade e do crime."
Uma das experiências mais perturbadoras que tive na vida foi
a de perceber, de novo e de novo ao longo dos anos, o quanto é impossível falar
ao coração, à consciência profunda de indivíduos que trocaram sua personalidade
genuína por um estereótipo grupal ou ideológico. Diga você o que disser,
mostre-lhes mesmo as realidades mais óbvias e gritantes, nada os toca. Só
enxergam o que querem. Perderam a flexibilidade da inteligência. Trocaram-na
por um sistema fixo de emoções repetitivas, acionadas por um reflexo insano de
autodefesa grupal.
No começo não é bem uma troca. O estereótipo é adotado como
um revestimento, um sinal de identidade, uma senha que facilita a integração do
sujeito num grupo social e, libertando-o do seu isolamento, faz com que ele se
sinta até mais humano. Depois a progressiva identificação com os valores e
objetivos do grupo vai substituindo as percepções diretas e os sentimentos
originários por uma imitação esquemática das condutas e trejeitos mentais do
grupo, até que a individualidade concreta, com todo o seu mistério irredutível,
desapareça sob a máscara da identidade coletiva.
Essa transformação torna-se praticamente inevitável quando a
unidade do grupo tem uma forte base emocional, como acontece em todos os
movimentos fundados num sentimento de “exclusão”, “discriminação” e similares.
Não me refiro, é claro, aos casos efetivos de perseguição política, racial ou
religiosa. A simples reação a um estado de coisas objetivamente perigoso não
implica nenhuma deformação da personalidade.
Bem ao contrário: quanto mais exageradas e irrealistas são
as queixas grupais, tanto mais facilmente elas fornecem ao militante um Ersatz
de identidade pessoal, precisamente porque não têm outra substância exceto a
ênfase mesma do discurso que as veicula. À dessensibilização da consciência
profunda corresponde, em contrapartida, uma hipersensibilização de superfície,
uma suscetibilidade postiça, uma predisposição a sentir-se ofendido ou ameaçado
por qualquer coisinha que se oponha à vontade do grupo.
No curso desse processo, é inevitável que o amortecimento da
consciência individual traga consigo o decréscimo da inteligência intuitiva. As
capacidades intelectuais menores, puramente instrumentais, como o raciocínio
lógico verbal ou matemático, podem permanecer intactas, mas o núcleo vivo da
inteligência, que é a capacidade de apreender num relance o sentido da
experiência direta, sai completamente arruinada, às vezes para sempre.
A partir daí, qualquer tentativa de apelar ao testemunho
interior dessas pessoas está condenada ao fracasso. A experiência que elas têm
das situações vividas tornou-se opaca, encoberta sob densas camadas de
interpretações artificiais cujo poder de expressar as paixões grupais serve
como um sucedâneo, hipnoticamente convincente, da percepção direta. O indivíduo
“sente” que está expressando a realidade direta quando seu discurso coincide
com as emoções padronizadas do grupo, com os desejos, temores, preconceitos e
ódios que constituem o ponto de intersecção, o lugar geométrico da unidade grupal.
O mais cruel de tudo é que, como esse processo acompanha
pari passu o progresso do indivíduo no domínio da linguagem grupal, são
justamente os mais lesados na sua inteligência intuitiva que acabam se
destacando aos olhos de seus pares e se tornando os líderes do grupo.
Um grau elevado de imbecilidade moral coincide aí com a
perfeita representatividade que faz do indivíduo o porta-voz por excelência dos
interesses do grupo e, na mesma medida, o reveste de uma aura de qualidades
morais e intelectuais perfeitamente fictícias.
Não conheço um só líder esquerdista, petista, gayzista,
africanista ou feminista que não corresponda ponto por ponto a essa descrição,
que corresponde por sua vez ao quadro clássico da histeria. O histérico não
sente o que percebe, mas o que imagina. Quando o orador gayzista aponta a
presença de cento e poucos homossexuais entre cinquenta mil vítimas de
homicídios como prova de que há uma epidemia de violência anti-gay no Brasil, é
evidente que o seu senso natural das proporções foi substituído pelo
hiperbolismo retórico do discurso grupal que, no teatro da sua mente, vale como
reação genuína à experiência direta.
Quando a esposa americana, armada de instrumentos legais
para destruir a vida do marido em cinco minutos, continua se queixando de
discriminação da mulher, ela evidentemente não sente a sua situação real, mas o
drama imaginário consagrado pelo discurso feminista.
Quando o presidente mais mimado e blindado da nossa História
choraminga que levou mais chicotadas do que Jesus Cristo, ele literalmente não
se enxerga: enxerga um personagem de fantasia criado pela propaganda
partidária, e acredita que esse personagem é ele.
Todas essas pessoas são histéricas no sentido mais exato e
técnico do termo. E se não sentem nem a realidade da sua situação pessoal
imediata, como poderiam ser sensíveis ao apelo de uma verdade que não chega a
eles por via direta, e sim pelas palavras de alguém que temem, que odeiam, e
que só conseguem enxergar como um inimigo a ser destruído?
A raiz de todo diálogo é a desenvoltura da imaginação que
transita livremente entre perspectivas opostas, como a de um espectador de
teatro que sente, como se fossem suas, as emoções de cada um dos personagens em conflito. Essa é
também a base do amor ao próximo e de toda convivência civilizada. A presença
de um grande número de histéricos nos altos postos de uma sociedade é garantia
de deterioração de todas as relações humanas, de proliferação incontrolável da
mentira, da desonestidade e do crime.
Publicado no Diário do Comércio.
TEXTO REPRODUZIDO DO SITE MÍDIA SEM MÁSCARA:
Nenhum comentário:
Postar um comentário