No primeiro texto de hoje, em que comento que Lula é o deus
que nunca sabe de nada, a propósito do editorial do Estadão “O inimputável”,
citei o livro “Partido de Deus”, de Luis Mir. Toco outra vez no assunto, agora
a propósito do texto de Carlos Alberto Sardenberg publicado em O Globo, com o título “Roubar
pelo povo”.
A cada dia fica mais claro que o PT é um partido muito
complicado, e mais trasparente do que os petistas imaginam. Um grupo de homens,
décadas atrás, criou, com base em uma filosofia difusa, apoiada em teses da
CNBB, da esquerda católica, de diversas variantes marxistas, de messiânicos
salvadores, um partido para ser a verdadeira salvação do Brasil. De fato,
sem mais e nem menos, um tipo de religião; se não, um partido de características
religiosas, exclusivo.
Um grupo especial de pessoas, dotadas de revelações e
clarividência, com um tipo de carta branca para fazer o bem a todos. Aqui é que
se revela o aspecto complicado do PT. Sendo um grupo meio messiânico,
salvacionista, acaba usando, na prática as idéias de Lênin sobre os meios e os
fins.
Num primeiro momento, os petistas pareciam estar separados
da sociedade brasileira. Quando alguém entrava para o partido passava ser um
ente especial. Com a estrelinha no peito, e calças sujas e sandálias rasgadas,
então, eram o máximo. Aqueles que teriam vindo do subsolo para salvar os
brasileiros. Aqueles que quisessem ser salvos, claro.
Assim, numa primeira faze de embate os petistas eram avessos
a qualquer contato com outros partidos e pessoas “de fora”. Tinham a solução
para tudo. Assim, foram administrando prefeituras e sempre com o uso dos “estrangeiros”,
os petistas de outros lugares, os militantes, para ocupar o lugar dos locais.
Mas a política é mais complexa do que parece e ao há lugar,
na vida social, de uma população heterogênea e religiosa, conservadora, para
muitas experiências alucinantes.
Uma vez que as lideranças perceberam que seria necessário “tolerar”
os diferentes para crescer e governar, mas sempre mantendo a virgindade e a inocência,
claro!, o PT foi crescendo e se enraizando.
Mas, um partido de um povo “especial”, que não quer mistura
com os demais povos que habitam o mesmo espaço é um bicho estranho. Na verdade,
depois do Mensalão, e com as reações dos líderes petistas às denúncias de suas
falcatruas, ficou claro que o partido joga com duas morais.
Quem nunca foi petista nunca se enganou com essa pureza toda
suposta. Quem já foi e percebeu o monstro, se arrependeu. Tiraram as
estrelinhas e andam envergonhados. A Igreja tomou um susto, e ficou meio sem
rumo no apoio que dava ao partido.
Ficou claro que o partido, de fato, nunca deixou de ser de
caráter salvacionista e totalitário. Em suma, nunca acreditou muito no desenho
republicano e democrático. Tanto que, pegos os petistas em calças curtas, se
lambuzando com dinheiro do povo, desviado para isto ou aquilo, pouco importa,
os gurus saem repetindo o mantra protetor: foram os aloprados, não o partido. Como
se um partido fosse uma entidade metafísica, sem contato com os homens.
Cada condenação dos chefões petistas no Mensalão atingiu,
sim o partido, diretamente.
O que começa a ficar claro é que um bando de crentes
petistas percebeu que não há como criar um país do zero. Nem Lula e nem o PT
inventaram ou reinventaram o Brasil. O partido é que se propôs diferente, com
pessoas feitas da mesma sociedade e cultura das demais partes da população.
Como chegou com arrogância salvadora, melou-se todo. Agora
quer ser arrogante também na hora da queda.
WWW.SPONHOLZ.ARQ.BR |
O que Marco Maia faz agora, de querer enfrentar o Judiciário, com relaçao à condenação de petistas corruptos, só
prova a incapacidade petista de conviver com instituições republicanas e democráticas. Para os petistas, os corruptos do PT são melhores que os corruptos dos outros partidos, por exemplo.
O PT
teria que inventar um povo, outras instituições e outro país. Mas isso não é
possível. O Brasil é o que é, eles estão no Brasil.
Não é o Brasil que está dentro do PT.
GUTENBERG J
Agora leiam o artigo de Sardenberg
Roubar pelo povo
Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
Intelectuais ligados ao PT estão flertando com uma nova tese
para lidar com o mensalão e outros episódios do tipo: seria inevitável, e até
mesmo necessário, roubar para fazer um bom governo popular.
Trata-se de uma clara resposta ao peso dos fatos. Tirante os
condenados, seus amigos dedicados e os xiitas, ninguém com um mínimo de
tirocínio sente-se confortável com aquela história da “farsa da mídia e do
Judiciário”.
Se, ao contrário, está provado que o dinheiro público foi
roubado e que apoios políticos foram comprados, com dinheiro público, restam
duas opções: ou desembarcar de um projeto heroico que virou bandidagem ou, bem,
aderir à tese de que todo governo rouba, mas os de esquerda roubam menos e o
fazem para incluir os pobres.
Vimos duas manifestações recentes dessa suposta nova teoria.
Na “Folha”, Fernanda Torres, em defesa de José Dirceu, buscou inspiração em
Shakespeare para especular: talvez seja impossível governar sem violar a lei.
No “Valor”, Renato Janine Ribeiro escreveu duas colunas para
concluir: comunistas revolucionários não roubam; esquerdistas reformistas
roubam quando chegam ao governo, mas “talvez” tenham de fazer isso para
garantir as políticas de inclusão social.
Tirante a falsa sofisticação teórica, trata-se da
atualização de coisa muito velha. Sim, o leitor adivinhou: o pessoal está
recuperando o “rouba mas faz”, criado pelos ademaristas nos anos 50. Agora é o
“rouba mas distribui”.
Nem é tão surpreendente assim. Ainda no período eleitoral
recente, Marilena Chauí havia colocado Maluf no rol dos prefeitos paulistanos
realizadores de obras, no grupo de Faria Lima, e fora da turma dos ladrões.
Fica assim, pois: José Dirceu não é corrupto, nem
quadrilheiro — mas participou da corrupção e da quadrilha porque, se não o
fizesse, não haveria como aplicar o programa popular do PT.
Como se chega a esse incrível quebra-galho teórico? Fernanda
Torres oferece uma pista quando comenta que o PT se toma como o partido do povo
brasileiro. Ora, segue-se, se as elites são um bando de ladrões agindo contra o
povo, qual o problema de roubar “a favor do povo”?
Renato Janine Ribeiro trabalha na mesma tese, acrescentando
casos de governos de esquerda bem-sucedidos, e corruptos. Não fica claro se são
bem-sucedidos “apesar” de corruptos ou, ao contrário, por serem corruptos. Mas
é para esta ultima tese que o autor se inclina.
Não faz sentido, claro. Começa que não é verdade que todo
governo conservador é contra o povo e corrupto.
Thatcher e Reagan, exemplos máximos da direita, não roubavam
e trouxeram grande prosperidade e bem-estar a seus povos.
Aqui entre nós, e para ir fundo, Castello Branco e Médici
também não roubavam e suas administrações trouxeram crescimento e renda.
Por outro lado, o PT não é o povo. Representa parte do povo,
a majoritária nas últimas três eleições presidenciais. Mas, atenção, jamais
ganhou no primeiro turno e os adversários sempre fizeram ao menos 40%. E no
primeiro turno de 2010, Serra e Marina fizeram 53% dos votos.
Por isso, nas democracias o governo não pode tudo, tem que
respeitar a minoria e isso se faz pelo respeito às leis, que incluem a
proibição de roubar. E pelo respeito à opinião pública, expressa, entre outros
meios, pela imprensa livre.
Por não tolerar essas limitações, os partidos autoritários,
à direita e à esquerda, impõem ou tentam impor ditaduras, explícitas ou
disfarçadas. Acham que, por serem a expressão legítima do povo, podem tudo.
Assim, caímos de novo em velha tese: os fins justificam os
meios, roubar e assassinar.
Renato Janine Ribeiro diz que os regimes comunistas
cometeram o pecado da extrema violência física, eliminando milhões de pessoas.
Mas eram eticamente puros, sustenta: gostavam de limusines e dachas, mas não
colocavam dinheiro público no bolso. (A propósito, anotem aí: isto é uma prévia
para uma eventual defesa de Lula, quando começam a aparecer sinais de que o
ex-presidente e sua família abusaram de mordomias mais do que se sabe).
Quanto aos comunistas, dizemos nós, não eram “puros” por
virtude, mas por impossibilidade. Não havia propriedade privada, de maneira que
os corruptos não tinham como construir patrimônios pessoais. Roubavam dinheiro
de bolso e se reservavam parte do aparelho do estado, enquanto o povo que
representavam passava fome. Puros?
Reparem: na China, misto de comunismo e capitalismo, os
líderes e suas famílias amealharam, sim, grandes fortunas pessoais.
Voltando ao nosso caso brasileiro, vamos falar francamente:
ninguém precisa ser ladrão de dinheiro público para distribuir Bolsa Família e
aumentar o salário mínimo.
Querem tudo?
Dilma consegue aprovar a MP que garante uma queda na conta
de luz. O Operador Nacional do Sistema Elétrico diz que haverá mais apagões
porque não há como evitá-los sem investimentos que exigiriam tarifas mais
caras.
Ou seja, a conta será mais barata, em compensação vai faltar
luz.
Carlos Alberto Sardenberg é jornalista
FONTE:
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