Extraído do blog Midia Sem Máscara (http://www.midiasemmascara.org/)
O que Peña Esclusa disse ao juiz Cabrera
| 16 Fevereiro 2011
Eis as palavras de Alejandro Penã Esclusa dirigidas ao juiz Luis Cabrera durante audiência realizada no dia 27 de janeiro. Mais uma vez fica evidente a farsa montada por Hugo Chávez com o apoio do Foro de São Paulo contra um conhecido líder na defesa dos direitos civis na Venezuela.
"Muito boa-tarde.
Antes de começar, queria esclarecer que - como sou um homem de letras e não de armas - vou utilizar durante minha apresentação um recurso literário muito pedagógico, o recurso da ironia. A ironia não é gozação, nem é uma falta de respeito, senão a contraposição de fatos tão contraditórios entre si, tão mutuamente excludentes que provocam riso no espectador - se trata-se de uma obra de teatro - ou ao leitor - se trata-se de uma obra literária.
Antes de abordar minha exposição devo dizer que fiquei surpreso quando o promotor Didier Rojas disse há alguns instantes, que no meu caso havia "perigo de fuga" porque sou um cidadão norte-americano. Quero deixar muito claro que sou única e exclusivamente cidadão venezuelano, não tenho nenhuma outra nacionalidade. É certo que nasci em Washington porque meus pais trabalhavam lá quando eu nasci, mas nunca pedi a nacionalidade americana, apesar de que poderia tê-lo feito, porque eu não quero ter nenhuma outra nacionalidade.
Sou venezuelano, de pais venezuelanos, de avós venezuelanos e amo profundamente meu país. Por isso, quero viver aqui toda a minha vida. Assim que não é certo que haja perigo de fuga no meu caso, como disse o promotor.
Me imputam dois delitos: associação para delinqüir e tráfico de armas de guerra, na modalidade de ocultação. Quero declarar-me absolutamente inocente de ambas as acusações, porém, além disso, quero mudar a qualificação desses dois prováveis delitos por outro muito diferente. Hoje não devemos elucidar se sou "terrorista", como o governo me acusa, mas se estou louco ou desequilibrado. Em seguida veremos por quê.
Não conheço Francisco Chávez Abarca. Nunca o vi em minha vida. A primeira vez que soube dele, foi quando o detiveram no aeroporto de Maiquetía. Aqui se produz a primeira incongruência: de acordo com o informe policial presente no processo, Chávez Abarca "provavelmente" me descreveu como um homem baixinho e gordinho, o qual não corresponde com minha fisionomia.
Também "provavelmente" diz que me conheceu em Honduras, antes da crise de junho de 2009, quando Manuel Zelaya ainda era presidente. Pois bem, a primeira vez que viajei à Honduras foi em julho de 2009, quando Roberto Micheletti já havia assumido a Presidência e isso consta em meu movimento migratório.
E devo ressaltar a palavra "provável", porque AS DECLARAÇÕES DE CHÁVEZ ABARCA NÃO APARECEM NO PROCESSO. Esse senhor nunca depôs em um tribunal, seu suposto depoimento não está assinado por ele, não estão lá suas impressões digitais, não vi nem escutei sua gravação. A única coisa que existe é um informe do Delegado David Colmenares sobre o que supostamente lhe disse Chávez Abarca, que por sua vez um tal "Daniel" supostamente lhe disse, sobre o que eu supostamente lhe havia dito! Tremenda prova o Ministério Público apresentou!
Porém, há algo mais, sumamente grave, em tal informe policial: David Colmenares diz que se ofereceu para interceder para que Chávez Abarca não fosse enviado a Cuba, em troca do seu depoimento. Quer dizer, o próprio Colmenares confessa que Chávez Abarca depôs pressionado, sob coação.
Porém, lamentavelmente Chávez Abarca foi enviado a Cuba, assim que não podemos saber se seu depoimento é certo e se existe o tal "Daniel", que ninguém sabe quem é, qual o seu sobrenome ou onde está.
A segunda incongruência é esta: Chávez Abarca foi capturado em 1 de julho de 2010 no aeroporto de Maiquetía, o que foi documentado em todos os meios de comunicação. Entretanto, Chávez Abarca disse que eu o havia contatado para que "fizesse uns trabalhinhos na Venezuela", mas não qualquer "trabalhinho" senão, nada menos que desestabilizar o Estado.
Se, com efeito, ele era supostamente meu sócio em uma aventura para desestabilizar o Estado, o mais lógico é que eu saísse correndo do país, para me proteger. E certamente três dias depois, em 4 de julho, viajei ao exterior com minha esposa, em uma viagem que já estava planejada.
Se eu tivesse tido algo a ver com Chávez Abarca, teria ficado fora da Venezuela, sobretudo quando, a partir do dia 6 de julho, no canal do Estado (Venezolana de Televisión), se me acusou várias vezes de estar relacionado com Chávez Abarca. Entretanto, assim eu devo estar louco, porque regressei tranqüilamente no dia 8 de julho a Caracas, através do mesmíssimo aeroporto de Maiquetía, e continuei levando minha vida normalmente.
Por isso eu creio que esta audiência preliminar não é para determinar se há motivos para uma imputação sobre ocultação de arma de guerra ou por associação para delinqüir. Não senhor! Aqui o que se está discutindo é a sanidade mental de Alejandro Peña Esclusa, se sou um louco, um insensato, que em vez de ficar fora do país, volto para que me apanhem.
Aqui me detenho para dizer ao promotor Didier Rijas que, como se pode ver, comigo não há perigo de fuga, senão de "contra-fuga", porque estando já "fugido" voltei para ser detido em minha própria casa.
Não estou acima de nenhum cidadão, sou um cidadão comum, mas também é certo que me dedico à política, fui candidato à Presidência da República duas vezes. Além disso, é evidente que tenho um claro perfil opositor ao atual governo. Fui aos tribunais internacionais para acusar este governo, estive em Haya, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O tribunal e os promotores têm que saber que quando um dirigente opositor está "fazendo muita gracinha" deve-se pôr-lhe uma pedra em cima, por isso todo dirigente político de um certo nível foi preso, quer seja Rómulo Betancourt, Jóvito Villalba ou qualquer dirigente político latino-americano que tenha se oposto com firmeza a seus respectivos governos.
Assim que, a partir do dia 6 de julho, quando estando fora do país o canal do Estado começou a vincular-me a Chávez Abarca, soube que, como dizem coloquialmente, estavam me "preparando um falso processo". Supus que eu estava sendo objeto de uma montagem.
Isso me leva à terceira incongruência: em vista de tudo o que foi dito anteriormente, decidi deixar uma mensagem gravada em vídeo, para o caso de me acontecer algo. Gravei a mensagem no sábado 10 de julho e o difundi pelas redes sociais da Internet, ANTES da invasão. Lamentavelmente, por razões técnicas, não pude apresentar o vídeo aqui, porém nele explico claramente que meus adversários políticos queriam envolver-me falsamente com atos terroristas, especificamente com Chávez Abarca, e que proximamente se tomariam ações contra mim para tratar de me calar.
Então eu sou tão louco, e meu senso comum é tão falho que, sabendo que vão executar ações contra mim, supostamente deixo um explosivo em minha casa e o coloco nada menos que na escrivaninha de minha filha de 8 anos. Insisto então, senhor juiz, que devemos mudar a qualificação do delito: não me acusem de "terrorista", senão de ser um tremendo louco.
Passemos agora a analisar a quarta incongruência: um dia ANTES da invasão, no domingo 11 de julho, o semanário "La Razón" publicou uma nota advertindo que o SEBIN (Serviço Bolivariano de Informação Nacional) ia invadir minha casa, com relação ao caso Chávez Abarca. Ao promotor e demais funcionários que estiveram em minha casa, disse-lhes: "senhores, eu já os estava esperando", e em seguida mostrei-lhes o semanário "La Razón".
Lá se explicava claramente que Chávez Abarca havia fornecido uma lista de seus prováveis cúmplices, dentre os quais supostamente se encontrava Peña Esclusa. E também dizia textualmente que "nos próximos dias haverá invasões de domicílio em Caracas". Considerando que eu me dedico à política, é minha obrigação estar informado mas, além disso, nesse domingo o telefone não parou de tocar, advertindo-me de que o SEBIN invadiria minha casa nas próximas horas, segundo informava "La Razón".
Os explosivos nunca estiveram na minha casa mas, na hipótese negada de que estivessem lá, o mais lógico é que eu os tirasse dali de imediato. As incongruências assinaladas deixam claramente dois pontos: primeiro, eu sabia que a invasão era não só possível senão iminente, portanto, é totalmente inverossímil que eu guardasse substâncias explosivas em minha casa. Segundo, não tinha nenhuma intenção de fugir, não tenho a intenção de sair do país, mesmo que me ponham preso e lá eu apodreça.
Meu trabalho como político é dar a cara pelo que eu penso, e não vou deixar de cumprir com meu dever de defender meus ideais, nem por temor à prisão nem por nenhum outro motivo. Aqui está um homem falando com o coração, um homem que ama a Venezuela. Estou orgulhoso de me comportar como estou me comportando. Não fujo, mesmo que queiram me encarcerar.
Agora queria falar de algumas irregularidades em torno do meu caso, além dos já assinalados por meus advogados de defesa em diversos escritos.
Primeiro: há vários anos houve uma campanha contra mim por parte dos meios de comunicação oficiais e, inclusive, por parte de altos funcionários do governo. Vendeu-se uma imagem equivocada de minha pessoa, me atribuíram publicamente crimes terríveis, porém nunca apresentaram provas, nem comprovou-se nenhuma dessas acusações verbais. Na minha opinião, se fez isto para dar credibilidade a qualquer delito que se queira imputar contra mim. Com isto quero dizer que me julgaram e condenaram mas não ante um tribunal, senão ante a opinião pública.
Segundo: se Chávez Abarca era tão perigoso, se pretendia desestabilizar o Estado, por que o deportaram para Cuba? Por que não fizeram uma prova antecipada? Por que não permitiram que eu o visse aqui? O enviaram a Cuba e agora não podemos saber se o que disse é certo ou não. Têm que se basear naquilo que um funcionário da polícia disse. Porém, por que acreditar em suas supostas declarações, se é que na realidade as deu? Se altos funcionários deste governo dizem que as declarações dos terroristas do ETA não têm nenhuma credibilidade, por que as desse presumível terrorista têm?
Terceiro: quero referir-me à invasão. Lá ocorreram várias irregularidades. Entraram em minha casa ao redor de 20 funcionários. Ao me ver, dois funcionários apontaram duas pistolas contra mim. Me algemaram e me imobilizaram, sem ainda ser imputado. Colocaram-me em uma esquina onde eu não podia ver o que estava ocorrendo na minha casa. Ademais, estávamos preocupados por nossas filhas que acreditavam que aquilo era um assalto ou um roubo. Estavam chorando.
Nós não pudemos supervisionar a visita domiciliar. Entraram pessoas vestidas de civil, com bolsas tipo "koala". Cinco funcionários que aparecem assinando a ata não estavam autorizados judicialmente para participar da invasão. Ademais, não deixaram meu advogado entrar, embora ele estivesse parado na porta. Porém, o que mais me preocupa é a maneira como se comportaram os funcionários. Eles ocuparam todos os cômodos da casa simultaneamente, o qual se presta para qualquer tipo de irregularidade, como de fato ocorreu. Não havia forma de supervisionar o que estavam fazendo.
Devo dizer algo muito duro. Eu não posso assegurar que algum desses funcionários plantou a evidência, porém posso dizer sim, que nessa invasão eles roubaram o dinheiro de minha filha mais velha. Quebraram seu cofrinho e roubaram o dinheiro. Levaram os aparelhos eletrônicos das meninas e isso não está dito na ata, quer dizer, que roubaram. E quem é capaz de roubar, também é capaz de plantar falsa evidência.
Quarto: Tenho motivos para pensar mal, sobretudo tenho motivos para pensar que sou um objeto político. Me algemaram de uma vez. Altos funcionários me condenaram publicamente, quando nem sequer se havia levado a cabo a audiência preliminar. Além disso, presumiu-se sem motivo algum que eu ia fugir do país, quando tudo indicava o contrário. Quer dizer, fiz o contrário de fugir. Estava no exterior e voltei à Venezuela. O fato de que tenham me privado da liberdade é uma prova de que se trata de uma perseguição política.
Se há fartas evidências de que eu sabia de antemão da invasão à minha casa e não quis fugir, por que não estou sendo julgado em liberdade? Por que altos funcionários do governo e as agências do Estado já me assinalam como culpado, se o julgamento nem sequer começou? É este tipo de questionamento que tem levado personalidades reconhecidas dentro do país, e altos dignatários de outros países, a pensar que há um interesse político em me criminalizar e assim o manifestaram publicamente.
Finalmente, queria falar de meu perfil como pessoa, em contraposição ao perfil que me querem imputar. Um homem que tem o perfil de um terrorista é uma pessoa desequilibrada, uma pessoa capaz de assassinar gente inocente colocando bombas. Uma pessoa instável, sem família, que se move de um lugar a outro. Esse não é o meu perfil.
Tenho 56 anos. Não tenho antecedentes penais. Não conheço armas. Sou mais um homem de letras. Meus livros circulam em outros países e foram traduzidos em outros idiomas. Um homem de 56 anos não é tão idiota para colocar explosivos em sua casa. Eu tenho uma trajetória internacional que cuidar. Escrevi vários livros e tenho 20 anos de casado.
O mais importante diz respeito aos dados de minha conta bancária, que o Ministério Público consignou no processo: é que ela foi aberta no ano de 1978, há 33 anos! Tremendo terrorista que usa a mesma conta bancária desde há 33 anos! Sempre vivi em meu apartamento, tenho três filhas que pertencem às Orquestras Sinfônicas Juvenis e Infantis. Tremendo terrorista este, que tem filhas em orquestras e que escreveu livros!
Evidentemente sou vítima de uma montagem. Sou um conferencista. Os senhores sabem em quê me consideram um expert no exterior? Como uma pessoa que dá palestras contra o terrorismo! Os que me montaram este "pente" agiram com pouca inteligência. Em minhas palestras contra o terrorismo dou os argumentos do por que o terrorismo não serve. Dou os argumentos sobre o por que colocar bombas não serve. As bombas têm um enorme problema porque matam gente inocente. Nenhuma causa baseada no terrorismo triunfa politicamente. Minha opinião é que os movimentos políticos que recorrem ao terrorismo todos fracassam.
Pôr bombas não convém a um movimento político, porque as pessoas que recorrem a isso vão se degradando moralmente, eu explico isso em minhas palestras. O terrorismo vai contra minhas crenças morais e espirituais. Se chamarem a DISIP (SEBIN) e perguntarem quem são meus visitantes, vão ver que muitos deles são sacerdotes, inclusive hierarcas da Igreja. Eles conhecem minha forma de pensar e sabem que sou incapaz de ter bombas em minha casa ou recorrer ao terrorismo. Eles sabem que isso que atribuem a mim não tem nenhum tipo de relação com a pessoa que eles conhecem desde há muitos anos, por isso os hierarcas da Igreja me apoiaram publicamente.
Creio que há uma vida eterna. Creio que há um Deus no céu. Creio que há um julgamento, o mais importante de todos, que se chama Juízo Final. Leva-se a cabo quando uma pessoa morre. Nesse julgamento tudo fica a descoberto. Não há artimanhas que valham. Não valem os falsos testemunhos. Não contam as paixões políticas. Porque Deus vê tudo e sabe tudo. Não há forma nem maneira de enganá-lo. Não me agrada prejudicar a outros, à parte de que me agrade fazer o bem, confesso que "tenho temor a Deus". Por isso nunca me ocorreria colocar explosivos.
Amo profundamente meu país. Passarei pelo sacrifício que seja necessário para colaborar com o bem-estar da minha pátria. Isso demonstrei depois de seis meses de estar injustamente privado de minha liberdade. Tenho minha consciência tranqüila e Deus é minha testemunha. Espero que os senhores, ao tomar as decisões que vão tomar, possam também responder pelos seus atos diante de Deus Todo-Poderoso. O Grande Juiz, a quem ninguém pode enganar.
Em resumo: me acusa uma testemunha a quem nunca vi e que nunca poderei ver porque foi enviado a Cuba. Me acusa um informe de um homem que não assinou seus supostos depoimentos. Conseguem explosivos em minha casa, quando é evidente que eu sabia da invasão domiciliar. A invasão mesma esteve repleta de irregularidades. Podendo ter saído do país em diversas oportunidades, eu não o fiz. Tenho poderosos adversários políticos que desenvolveram uma maciça campanha contra mim, e que queriam ver-me preso. E minha forma de pensar e de viver demonstram claramente que sou o contrário de um terrorista e que me oponho com firmeza ao terrorismo.
Para terminar, quero dirigir-me ao senhor, com todo o respeito senhor juiz:
Acredito que todas as irregularidades que foram estabelecidas o senhor as conhece bem. O senhor já sabe as causas pelas quais meu advogado solicitou sua renúncia. O senhor sabe que Chávez Abarca nunca deu esse depoimento. O senhor também deve saber que há uma campanha política contra mim. O senhor juiz sabe que sou objeto de ataque político muito forte e que isso desvirtua uma grande quantidade de coisas, e quando alguém vê essas irregularidades que eu expressei aqui, isso me leva a pensar que aqui há uma parcialização de algum tipo.
Não critico que o senhor tenha uma militância política, mas creio que isso tira a imparcialidade do senhor. Na audiência de apresentação o senhor fez um discurso político. Tenho razões bem fundadas para duvidar de sua imparcialidade, por isso quero exercer meu direito cidadão de recorrer ao Artigo 86 do Código Orgânico Processual Penal, e desejo rejeitá-lo neste momento.
Agradeço a paciência que teve em me escutar, porém estou sendo objeto de uma canalhice que não tem nome.
Minha intenção não foi a de ofender ninguém.
É tudo".
Tradução: Graça Salgueiro
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