Para azar do professor Eugenio Bucci, muita gente no Brasil, mais velha que ele, sabe muito bem como as coisas acontecerem à época do fim da ditadura militar. Eu mesmo, sexagenário, posso dizer que, ao ler o texto do professor universitário de Jornalismo, fiquei pensando em escrever alguma coisa a respeito do que ele afirmou sobre a importânca do PT na implantação da Democracia.
Qualquer petista militante àquele tempo sabe que o PT foi sempre do contra. Isso está registrado nas matérias da imprensa. O quadro que Bucci pintou sobre a redemocratização é verdadeiro como uma nota de 3 reais.
Não é muito diferente daquela polêmica fotografia que foi utilizada na campanha de Dilma que a colocava em uma marcha pela redemocratização, em meio a artistas, no Rio de Janeiro.
MONTAGEM FAZIA PARECER QUE DILMA ESTEVE LÁ, EM 68 |
FOTO INTEGRAL ORIGINAL. NORMA E AS ARTISTAS DE CINEMA E TEATRO |
Mas a foto também era tão verdadeira como uma nota de 3 reais. Aliás, a fotografia, a bem da verdade, era absolutamente verdadeira. Apenas a pessoa indicada como Dilma Rousseff jovem (no meio da montagem) é que era a grande artista Norma Bengell. A foto com as artistas foi feita em 1968, durante a passeata dos cem mil, no Rio de Janeiro.
O corte da foto separando a cabeça de Norma e a colocando entre Dilma criança e Dilma candidata não foi inocência. O corte de cabelo e um certo jeito, de fato, poderiam confundir incautos. Era preciso colocar Dilma nas passeatas em que nunca esteve. Reescrever a história.
Naquele tempo Dilma Rousseff não participava de passeatas pela redemocratização, tinha outras coisas para fazer. Ela e seus amigos haviam tentado, anos antes, pela luta armada, derrubar a ditadura militar e implantar uma ditadura comunista no Brasi. Fato público e notório.
Foi assim que acabei preferindo pesquisar os comentários dos leitores do Estadão, ler comentários é algo muito interessante. Há os de leitores atentos e, sempre, os infiltrados a serviço dos petralhas, para defender o partido ou ofender adversários. Mas este é outro assunto.
Há tantos comentários bons e verdadeiros. Escolhi três, por coincidência em sequência, que reproduzi abaixo.
Os três leitores também não concordaram com Bucci quanto a reescrever a História.
O primeiro é de Hélio Duque, ex-deputado federal pelo Paraná, mais longo, e mais preciso em termos de referências; o segundo é da leitora Leila Leitão, uma leitora atenta; o terceiro da leitora Mara Montezuma Assaf, muito bem desenvolvido, embora sintético.
Que os estudantes de Jornalismo, em geral, da Eca-USP, da ESPM, da PUC, da Cásper Líbero, e de outras escolas de Jornalismo pelo Brasil, leiam com atenção e reflitam sobre como o passado é mostrado...em cursos de Jornalismo!
GJ
O inferno astral da estrela branca
29 de novembro de 2012 | 2h 06
Eugênio Bucci
Uma estrela branca, de cinco pontas, sobre fundo vermelho.
Vermelho bombeiro. Vermelho Coca-Cola. Vermelho do Boi Garantido. Vermelho
bolchevique. Vermelho total. Uma estrela branca emoldurada de vermelho.
Convenhamos, não era um símbolo que primasse pela
originalidade ou pela ousadia. Não era inusitado, não era inventivo, era apenas
óbvio. Mesmo assim, foi ele que vingou. Na falta de um logotipo mais
profissional, mais publicitário (a indústria do marketing só chegaria mais
tarde àquelas plagas), foi esse o símbolo adotado pelo Partido dos
Trabalhadores, o PT, bem no seu início, no começo dos anos 80: uma estrela
branca, banal, sobre fundo vermelho.
Diz a lenda que quem costurou a primeira bandeira do partido
foi dona Marisa Letícia, em pessoa, a mulher do líder metalúrgico de cognome
Lula, astro maior do partido da estrela. Desde então, a marca do PT ficou
inscrita no DNA da democracia que sobreveio à ditadura militar no Brasil. Não
dá para entender o Brasil de hoje sem entender o PT e sua estrela. O PT é um
dos construtores, se não o principal, do Estado de Direito em que hoje vivemos
por aqui. A começar da derrubada da ditadura.
Foram as greves do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo do Campo, lideradas por Lula, que puseram contra a parede o aparato
repressivo do regime militar, forçando o recuo definitivo. Mais tarde, a
campanha por eleições diretas, as Diretas-Já, que levou milhões de cidadãos às
ruas em 1984, tinha José Dirceu na organização logística de todo o movimento -
revelava-se ali o estrategista e empreendedor arguto, ambicioso e brilhante, o
principal articulador da máquina partidária e do que ele gostava de chamar de
"arco de alianças" que conduziria Lula à Presidência da República em
2002. Em 1988, a nova Constituição brasileira saiu do Congresso com a
inconfundível impressão digital da estrela branca sobre fundo vermelho.
A história é conhecida. Está aí para ser vista e
reconhecida. Gerações de excelentes quadros políticos se formaram na militância
de esquerda e, cedo ou tarde, acabaram passando por organizações clandestinas e
pelas instâncias do PT, onde aprenderam quase tudo o que sabem. São gestores
públicos, intelectuais, parlamentares, até mesmo jornalistas, veja você, alguns
já passados dos 80 anos, outros ainda na casa dos 30, que conheceram o Brasil e
seus excluídos desfraldando a bandeira vermelha com a estrela branca.
Aprenderam política no PT. Nos movimentos sociais, aprenderam a solidariedade,
a justiça, a disciplina, a ousadia. Depois, no exercício de cargos públicos, aprenderam
que a competência técnica não pode esperar, conheceram os estilos de governança
e o imperativo da conciliação.
O PT alcançou o poder, abrandou o sectarismo e, mais maduro,
ajudou então a moldar as próprias instituições da República, com acertos notórios.
No Supremo Tribunal Federal (STF), hoje tão rigoroso e elogiado, a maioria dos
atuais ministros foi indicada por governantes petistas. A Polícia Federal, hoje
tão implacável e festejada, cresceu e se fortaleceu sob governos petistas. O
Estado brasileiro está melhor, o que também é mérito da estrela branca sobre
fundo vermelho.
A despeito de um muxoxo aqui, de um nariz torcido acolá,
todo mundo sabe disso. Os agentes políticos, os de direita e os de esquerda,
têm plena noção de que o protagonista maior da evolução democrática
pós-ditadura atende pelo nome de Partido dos Trabalhadores. Só quem parece não
estar à altura desse fato histórico é, ironicamente, o próprio PT. Com reações
destemperadas, como que regurgitadas de uma adolescência que já passou, mostra
que talvez não entenda bem o seu próprio papel e o seu próprio lugar.
A pior dessas reações foi a conclamação de uma onda de
manifestações públicas em protesto contra decisões do Supremo Tribunal Federal
no julgamento do mensalão. É compreensível que muitos petistas se sintam
indignados ao ver uma figura pública do porte de José Genoino condenada pelo
crime de corrupção, e isso com o voto do ministro Dias Toffoli, o mesmo que,
até outro dia, trabalhava para o partido da estrela. É compreensível, mas a
indignação não autoriza ninguém a fazer comício contra o Supremo. Há canais
legais para pedidos de reconsideração judicial. Se, em lugar de discutir o
processo e seus eventuais erros tópicos, o PT ergue palanques para contestar a
legitimidade da própria Corte, como se ela não passasse de um instrumento de
perseguição partidária, estamos diante da ameaça de ruptura institucional.
Nesse ponto, a postura da presidente Dilma Rousseff, de
respeito declarado ao STF, contrasta com os arroubos irrefletidos - e serve
para enquadrá-los. Dilma leva em conta que a mesma Corte que condenou uns
absolveu outros, inclusive alguns militantes do PT. Logo, se devemos aceitar
com um sorriso as absolvições, temos de acatar também as condenações e interpor
os recursos que o direito processual admite. Fora disso, resta o tumulto.
O PT parece não saber como agir. Vive um refluxo amargo, um
atordoamento, embora siga acumulando vitórias eleitorais. Esta semana ficou
ainda mais tonto. Foi apanhado no contrapé por outro cruzado de esquerda, com
novas denúncias de corrupção. Uma investigação da Polícia Federal revelou
irregularidades escabrosas comprometendo servidores públicos de alta patente no
governo federal. O que fará o PT em seu inferno astral? Atos públicos? Vai
acusar os policiais de sanha persecutória? Ou vai exigir mais transparência? Ou
vai punir, pelo seu próprio estatuto, os filiados envolvidos?
O PT precisa arcar com a responsabilidade de fortalecer a
democracia que ajudou a conquistar. Eis o seu lugar e o seu papel. Se não
enfrentar e sanar agora, já, os seus próprios desvios, o partido da estrela
branca emoldurada de vermelho acabará por queimar sua reputação em praça
pública. Será uma pena. A pior de todas as penas.
* JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP E DA ESPM
OS TEXTOS DOS LEITORES DO ESTADÃO EM RESPOSTA A BUCCI:
MDB, RESTABELECENDO A VERDADE
“O PT é um dos construtores, senão o principal, do Estado de
Direito que hoje vivemos aqui. A começar pela derrubada da ditadura.” O autor
dessa monumental e inverídica agressão à história é o jornalista e professor
universitário Eugênio Bucci, em
O Estado de S.Paulo (29/11/2012, A2).
Não se trata de um escriba de aluguel, mas de um intelectual
respeitável. Diz mais: “Foram as greves do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernando do Campo, lideradas por Lula, que puseram contra a parede o aparato
repressivo do regime militar, forçando o recuo definitivo”. Avança com enorme
criatividade: “Mais tarde, a campanha por eleições Diretas-Já, que levou
milhões de cidadãos às ruas em 1984, tinha José Dirceu na organização logística
de todo o movimento”.
As três afirmações são mistificadoras, numa reinterpretação
de acontecimentos históricos em que os verdadeiros personagens da luta de 21
anos para redemocratizar o Brasil são executados sem nenhuma piedade. “O Estado
de Direito que hoje vivemos” teve na ampla frente democrática reunida no
Movimento Democrático Brasileiro (MDB) a sua fundamental estrutura. Prisões,
perseguições, cassações, exílios e mortes, ao longo de década e meia, marcaram
a vida dos seus militantes. Líderes na Câmara, a exemplo de Mario Covas (1969)
e Alencar Furtado (1977), foram sumariamente cassados pelo Ato Institucional
n.º 5. Parlamentares como Marcio Moreira Alves, Lisâneas Maciel, Hermano Alves
e tantos outros, para sobreviver, buscaram o caminho do exílio. Mas a luta
política nunca esmoreceu.
O saudoso Ulysses Guimarães, a cada revés, reagia: “O MDB é
como clara de ovo, quanto mais bate, mas ele cresce”. Em 1970, a criação pelo
valente Chico Pinto do grupo dos autênticos, imprimiria o enfrentamento direto
com a ditadura. Em 1974, em plena vivência do chamado “milagre econômico”, o
MDB elegia 16 senadores e mais de 180 deputados federais. O grito de liberdade,
que estava preso na garganta, se manifestava pela via eleitoral.
O governo Geisel, após patrocinar centenas de prisões,
entendeu o recado das urnas e anunciou a transição “lenta e segura”. No final
do seu governo, revogou o draconiano Ato Institucional n.º 5. Chico e Gil, na
música Cálice, proclamavam: “De tão gorda a porca já não anda / de tão usada a
faca já não corta”. O enfraquecimento da ditadura era real. Nas eleições de
1978, o MDB ampliou as suas bancadas na Câmara. No Senado, o governo reservou
1/3 das cadeiras para o senador biônico, garantindo a sua maioria. Em 1979, o
Congresso Nacional aprovava a Lei da Anistia e restabelecia as eleições diretas
para os governos estaduais.
Afirmar que “as greves, lideradas por Lula forçaram o recuo
definitivo” é ficção da pior qualidade. O PT foi criado em 1980, quando o
caminho da redemocratização já era fato admitido pelos setores lúcidos do
próprio autoritarismo.
Afirmar ser o PT o principal responsável pela edificação do
Estado de Direito chega a ser risível. Nas eleições diretas de 1982, o MDB
elegeu os governadores: Franco Montoro, São Paulo; Tancredo Neves, Minas; José
Richa, Paraná; Gerson Camata, Espírito Santo; Iris Rezende, Goiás; Jader
Barbalho, Pará; Gilberto Mestrinho; Amazonas; e o PDT, Leonel Brizola, no Rio.
Em 1983, o deputado Dante Oliveira apresentou emenda constitucional
restabelecendo eleições diretas para presidente da República. Simbolizaria o
início do fim da ditadura.
Em 1984, quando seria votada no Congresso, teve início a
extraordinária mobilização da sociedade brasileira. Aqueles governadores
eleitos pela oposição assumiram a linha de frente. O primeiro grande comício
foi em Curitiba em janeiro de 1984. Logo depois, São Paulo e Rio de Janeiro
levaram às ruas milhões de brasileiros. O PT havia elegido em todo o Brasil
seis parlamentares, liderados pelo amigo e extraordinário deputado Airton Soares,
que tanta falta faz à vida política brasileira. Expulso do partido por votar em Tancredo Neves no
colégio eleitoral.
Agora, de acordo com Eugênio Bucci, “a campanha por eleições
Diretas-Já, que levou milhões de cidadãos às ruas em 1984, tinha José Dirceu na
organização logística de todo o movimento”. Parlamentar, vice-líder e dirigente
do PMDB à época, atesto a falsidade da afirmação. Ulysses Guimarães foi o
principal condutor daquela epopeia histórica, sendo chamado pelo povo de
“Senhor Diretas”. Tendo naqueles governadores, especialmente Montoro, Tancredo,
Richa e Brizola, lideranças responsáveis pelo êxito mobilizador dos milhões de
brasileiros que, perdendo o medo, saíram às ruas para decretar o sepultamento
do Estado ditatorial.
O restabelecimento do Estado de Direito, não foi uma luta de
facções políticas, mas o despertar democrático dos brasileiros conscientes,
vilipendiados e amordaçados pela ação civil-militar daqueles que se achavam
intocáveis na manutenção dos seus privilégios. Reinterpretar fatos históricos
indiscutíveis, por conveniência, é autoritarismo inqualificável.
Hélio Duque foi deputado federal (1978-1991)
Curitiba
*
‘O INFERNO ASTRAL DA ESTRELA BRANCA’
Jornalista talentoso, portador de uma bagagem cultural
admirável, Eugênio Bucci nos decepciona com seu artigo “O inferno astral da
estrela branca” (Estadão, 29/11, A2). Portanto, peço vênia para discordar, quando
ele enaltece qualidades que a história pregressa do PT não confirma. Sabedores
de sua exigência em relação aos fatos, seu artigo parece ignorar o quanto esse
partido e seus membros tinham, entre muitos outros atributos nada republicanos,
a tomada do poder para a instalação de uma “República Sindical Socialista”, que
só não se concretizou pois foi descoberto o mensalão.
Talvez retomando os acontecimentos em outro artigo, possa
discorrer sobre a “estrela apodrecida do PT” pelas estroinices de um partido político
visivelmente antidemocrático, cujo maior desejo é calar a imprensa livre e
desmoralizar os demais Poderes da República. Realmente, esse artigo nos
decepcionou muito.
Leila E. Leitão
São Paulo
*
LOAS AO PT, POR QUÊ?
Com o PT em transparente crise, eis que aparecem os amigos
de sempre na mídia para enaltecer o partido e pintar um PT que só existiu na
cartilha. Dizer, como afirmou Eugênio Bucci em seu artigo “O inferno astral da
estrela branca” (Estadão, 29/11, A2), que o PT foi o principal construtor do
Estado de Direito por ter ajudado na derrubada da ditadura é de uma imprecisão
histórica a que ele não tem direito.
A verdade é que em 1985 o PT votou contra Tancredo Neves,
recusou-se a assinar a Constituinte de 1988, em 1993 o PT recusou o convite do
presidente Itamar Franco para participar de um governo de união nacional; em
1994 Itamar e seu ministro FHC lançam o Plano Real e o PT recusou-se a votar,
afirmando ser um plano eleitoreiro.
O PT foi contra a
privatização da Vale do Rio Doce, da Embraer, das empresas telefônicas e hoje
se sabe que é porque esperavam que, sob um governo petista, tais empresas se
transformassem em cabide de emprego de militantes, como hoje acontece com a
Petrobrás, aliás, em declínio crescente.
Fico preocupada quando vejo um jornalista e professor do
calibre de Eugênio Bucci sofrer lapsos de memória deste tipo e, por outro lado,
em tom lacrimejante lembrar a lenda de quem costurou a primeira bandeira do PT
foi dona Marisa Letícia, esquecendo-se de que esta mesma senhora plantou flores
nos jardins do Palácio do Alvorada formando o desenho da estrela branca com
fundo vermelho, não atinando ela para o fato de que a residência onde morava
pertencia e sempre pertencerá ao Estado brasileiro, e nunca ao PT.
Mara Montezuma Assaf
São Paulo
Texto de Eugenio Bucci no Estadão:
FORUM DE LEITORES ESTADÃO:
FOTOS DE NORMA BENGELL E DILMA ROUSSEEF (26/04/2010):
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