O professor Marco Antonio Villa, uma das vozes que fogem à
visão hegemônica da intelectualidade e boa parte da imprensa sobre o partido
salvador, o PT, autor do livro “Mensalão – o julgamento do maior caso de corrupção da
história da política brasileira” costuma escrever e dizer duras verdades. E
duras verdades podem doer.
Mas um país precisa que existam pessoas que digam verdades
que doem, pois em política verdades que não doem podem não passar de mentiras
disfarçadas de verdade e oportunismo.
E disso o Brasil anda cheio ultimamente, especialmente
nestes tempos em que os políticos parecem em baixa – pelas suas próprias ações –
e em que suas obras mixurucas e idéias quase toscas são infladas por marqueteiros especializados em dourar a
pílula.
Os marqueteiros (não apenas eles, claro, pois os eleitores,
afinal, é que apertam os botões nas máquinas de votação) transformaram o Brasil em um país de fantasia,
de ilusões, de mentiras.
Quando a realidade for encarada de frente, e é disso
que nos alerta o professor Marco Antonio Villa neste artigo “A década perdida”,
publicado originalmente no Estadão, dia 31 de dezembro, poderá haver muito
choro e ranger de dentes.
A verdade costuma doer. E muito
Gutenberg J.
*****
A DÉCADA PERDIDA
MARCO ANTONIO VILLA
A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 foi recebida
como um conto de fadas. O País estaria pagando uma dívida social. E o recebedor
era um operário.
Operário que tinha somente uma década de trabalho fabril,
pois aos 28 anos de idade deu adeus, para sempre, à fábrica. Virou um burocrata
sindical. Mesmo assim, de 1972 a 2002 - entre a entrada na diretoria do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e a eleição presidencial -,
portanto, durante 30 anos, usou e abusou do figurino do operário, trabalhador,
sofrido. E pior, encontrou respaldo e legitimação por parte da intelectualidade
tupiniquim, sempre com um sentimento de culpa não resolvido.
A posse - parte dos gastos paga pelo esquema do
pré-mensalão, de acordo com depoimento de Marcos Valério ao Ministério Público
- foi uma consagração. Logo a fantasia cedeu lugar à realidade. A mediocridade
da gestão era visível. Como a proposta de governo - chamar de projeto seria um
exagero - era inexequível, resolveram manter a economia no mesmo rumo, o que
foi reforçado no momento da alta internacional no preço das commodities.
Quando veio a crise internacional, no final de 2008, sem
capacidade gerencial e criatividade econômica, abriram o baú da História,
procurando encontrar soluções do século 20 para questões do século 21. O velho
Estado reapareceu e distribuiu prebendas aos seus favoritos, a sempre voraz
burguesia de rapina, tão brasileira como a jabuticaba. Evidentemente que só
poderia dar errado. Errado se pensarmos no futuro do País. Quando se esgotou o
ciclo de crescimento mundial - como em tantas outras vezes nos últimos três
séculos -, o governo ficou, como está até hoje, buscando desesperadamente algum
caminho. Sem perder de vista, claro, a eleição de 2014, pois tudo gira em torno
da permanência no poder por mais um longo tempo, como profetizou recentemente o
sentenciado José Dirceu.
Os bancos e as empresas estatais foram usados como
instrumentos de política partidária, em correias de transmissão, para o que
chamou o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, de "projeto
criminoso de poder", quando do julgamento do mensalão. Os cargos de
direção foram loteados entre as diferentes tendências do Partido dos
Trabalhadores (PT) e o restante foi entregue à saciedade dos partidos da base
aliada no Congresso Nacional. O PT transformou o patrimônio nacional,
construído durante décadas, em moeda para obter recursos partidários e
pessoais, como ficou demonstrado em vários escândalos durante a década.
O PT era considerado uma novidade na política brasileira. A
"novidade" deu vida nova às oligarquias. É muito difícil encontrar
nos últimos 50 anos um período tão longo de poder em que os velhos oligarcas
tiveram tanto poder como agora. Usaram e abusaram dos recursos públicos e
transformaram seus Estados em domínios familiares perpétuos. Esse congelamento
da política é o maior obstáculo ao crescimento econômico e ao enfrentamento dos
problemas sociais tão conhecidos de todos.
Não será tarefa fácil retirar o PT do poder. Foi criado um
sólido bloco de sustentação que - enquanto a economia permitir - satisfaz o
topo e a base da pirâmide. Na base, com os programas assistenciais que
petrificam a miséria, mas garantem apoio político e algum tipo de satisfação
econômica aos que vivem na pobreza absoluta. No topo, atendendo ao grande
capital com uma política de cofres abertos, em que tudo pode, basta ser amigo
do rei - a rainha é secundária.
A incapacidade da oposição de cumprir o seu papel facilitou
em muito o domínio petista. Deu até um grau de eficiência política que o PT
nunca teve. E o ano de 2005 foi o ponto de inflexão, quando a oposição, em meio
ao escândalo do mensalão, e com a popularidade de Lula atingindo seu nível mais
baixo, se omitiu, temendo perturbar a "paz social". Seu principal
líder, Fernando Henrique Cardoso, disse que Lula já estava derrotado e bastaria
levá-lo nas cordas até o ano seguinte para vencê-lo facilmente nas urnas. Como
de hábito, a análise estava absolutamente equivocada. E a tragédia que vivemos
é, em grande parte, devida a esse grave erro de 2005. Mas, apesar da oposição
digna de uma ópera-bufa, os eleitores nunca deram ao PT, nas eleições
presidenciais, uma vitória no primeiro turno.
O PT não esconde o que deseja. Sua direção partidária já
ordenou aos milicianos que devem concentrar os seus ataques na imprensa e no
Poder Judiciário. São os únicos obstáculos que ainda encontram pelo caminho. E
até com ameaças diretas, como a feita na mensagem natalina - natalina,
leitores! - de Gilberto Carvalho - ex-seminarista, registre-se - de que "o
bicho vai pegar". A tarefa para 2013 é impor na agenda política o controle
social da mídia e do Judiciário. Sabem que não será tarefa fácil, porém a
simples ameaça pode-se transformar em instrumento de coação. O PT tem ódio das
liberdades democráticas. Sabe que elas são o único obstáculo para o seu
"projeto histórico". E eles não vão perdoar jamais que a direção
petista de 2002 esteja hoje condenada à cadeia.
A década petista terminou. E nada melhor para ilustrar o
fracasso do que o crescimento do produto interno bruto (PIB) de 1%. Foi uma
década perdida. Não para os petistas e seus acólitos, claro. Estes
enriqueceram, buscaram algum refinamento material e até ficaram
"chiques", como a Rosemary Nóvoa de Noronha, sua melhor tradução. Mas
o Brasil perdeu.
Poderíamos ter avançado melhorando a gestão pública e
enfrentado com eficiência os nossos velhos problemas sociais, aqueles que os
marqueteiros exploram a cada dois anos nos períodos eleitorais. Quase nada foi
feito - basta citar a tragédia do saneamento básico ou os milhões de
analfabetos.
Mas se estagnamos, outros países avançaram. E o Brasil
continua a ser, como dizia Monteiro Lobato, "essa coisa inerme e
enorme".
31 de dezembro de 2012
- O Estado de S. Paulo
MARCO ANTONIO VILLA É HISTORIADOR E PROFESSOR DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFCAR)
Autor do livro "MENSALÃO"
Nenhum comentário:
Postar um comentário