AUGUSTO AGUIAR |
Uma criança está na sala de aula e começa a escrever alguma
coisa. Tomba com uma bala na cabeça. Cena não rara no Rio de Janeiro, a cidade
das balas perdidas. Como uma coisa dessas acontece?
Um rapaz recém-casado passa uns dias em Peruíbe, litoral sul de São Paulo, está feliz, resolve surfar um pouco. Não é mais encontrado.
Um rapaz recém-casado passa uns dias em Peruíbe, litoral sul de São Paulo, está feliz, resolve surfar um pouco. Não é mais encontrado.
Apenas a sua prancha jaz na areia da praia. Dois dias depois seu corpo é
achado, sem vida, para desespero e tristeza de sua família e amigos. O que
teria acontecido?
Eu sempre faço perguntas diante de fatos da vida que me
intrigam e enternecem. Ao longo dos anos formulei uma teoria sobre a nossa
necessidade de obter respostas às nossas indagações, como se com as respostas
pudéssemos, então, controlar a realidade. Mera ilusão.
Rememoramos, refazemos os caminhos do
fato, tentamos visualizar o ocorrido, como se em algum ponto houvesse a chave
para impedir que aquilo acontecesse. Em vão.
PARADOXO DE ZENÃO
Há menos de um ano perdi minha mãe em um acidente doméstico. Só em casa resolveu subir no primeiro degrau de uma escada metálica, para acertar as horas de um relógio. Um acidente absolutamente sem sentido, visto existirem vários relógios na casa, e com a recomendação para não usar a escadinha e nem subir em banquinhos. Mães idosas. Porque isso teve que acontecer?
Há menos de um ano perdi minha mãe em um acidente doméstico. Só em casa resolveu subir no primeiro degrau de uma escada metálica, para acertar as horas de um relógio. Um acidente absolutamente sem sentido, visto existirem vários relógios na casa, e com a recomendação para não usar a escadinha e nem subir em banquinhos. Mães idosas. Porque isso teve que acontecer?
Estou relendo Ficções, de Jorge Luiz Borges. Que fascinante.
Que imaginação fantástica. Como a realidade pode parecer absurda. No conto “Avatares
da Tartaruga” ele rememora o segundo paradoxo de Zenão, sobre o movimento.
Um sujeito vai caminhar 60 metros. Mas para isso terá chegar
à metade (30); mas para vencer essa distância terá que passar por 15; mas para
isso terá que chegar a 7,5, numa regressão infinita, que provaria a ausência do
movimento. O homem nunca chegaria aos 60 metros.
Penso em minha mãe. Se ela não tivesse vencido a primeira
metade do seu percurso fatal, ela estaria viva. Mas a literatura fascinante e
provocativa de Borges é para nos distrair o espírito, aliviar a alma. A
realidade é diferente de metafísica de Zenão e seus paradoxos.
Se a bala tivesse que percorrer a cada vez a metade do caminho, e a metade da metade, indefinidamente, ela nunca teria atingido a pobre criança.
E se Augusto Aguiar não tivesse vencido a primeira metade da distância
entre a casa e a praia, e se essa distância tivesse novamente sido reduzida à
metade, na mesma progressão proposta por Zenão, ele não teria conseguido
realizar o sonho de ir surfar um pouco, e estaria ao lado de sua jovem esposa Lilian
Coelho Aguiar, com a qual, li nos jornais, havia se casado em novembro passado.
Três meses!
Como o paradoxo de Zenão não funciona, a não ser no mundo da
filosofia, Augusto Aguiar, lamentavelmente, chegou ao mar, mas não retornou aos
seus. Não sabemos, ao menos, se conseguiu realizar o que pretendia.
A esta altura, apenas as gaivotas, os atobás e os mergulhões de Peruíbe sabem
o que aconteceu ao rapaz quando estava no reino de Poseidon.
O paradoxo sobre a inexistência do movimento não funciona na
vida real, pois Augusto não voltou para os seus. Mas no mundo do espírito, da
alma e do amor, Augusto não saiu do lugar, estará para sempre no coração dos
que o amam.
Nesse campo Zenão não estaria errado.
Nesse campo Zenão não estaria errado.
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