The Walking Dead
Gustavo Nogy
23 Junho 2013
Tudo que começa com Liberté,
Egalité, Fraternité termina em guilhotina.
O que uns e outros não percebem é
que a tal ‘massa na rua’ é o ápice da despersonalização, da falta de qualquer
traço distintivo e, ipso facto, de vida inteligente. Vida inteligente não é
aderir: é precisamente o contrário disso.
É PRECISO MUITA violência para se
fazer protesto pacífico, decerto. Nada mais violento do que o pacifismo das
multidões. Chego em casa, ligo a tv e estão protestando contra rigorosamente
tudo. Contra rigorosamente nada. Dos vinte centavos já ninguém se lembra
(saudades dos vinte centavos!). Parecia tudo tão nobre e tão singelo. Agora o
negócio virou maio de 68 e todo mundo quer é tocar fogo no circo. Ou, mais
precisamente, nos carros, nos caixas eletrônicos, no comércio, nas bandeiras,
na inteligência, na dignidade, em qualquer coisa que esteja no caminho do
entusiasmo cívico. O id das gentes resolveu sair às ruas. E a multidão é aquilo
que se sabe: movimento bruto, força da natureza.
Todos tão emocionados!
Encontraram um arremedo de sentido, ao menos provisório, no movimento. Esticar
as pernas faz bem, nem lembravam mais disso. Perderam uns quilos. Quase fui às
lágrimas quando um amigo escreveu algo sobre o ‘espírito’ do povo. De repente,
todos estão orgulhosíssimos de si mesmos: saíram às ruas ‘contra tudo isso que
está aí’, contra esse ‘status quo’, contra a ‘corrupção’, contra a ‘fome na
África’, contra as ‘flexões do infinitivo’ e as platitudes de costume.
Saíram para se manifestar, ponto.
Eles se parabenizam, eles jogam confetes uns nos outros, eles assopram
língua-de-sogra. Você, quieto no canto, sabe (você os conhece) que eles nunca
pensaram a sério em rigorosamente nenhuma das coisas contra as quais (ou a
favor das quais), súbito, resolveram protestar – estado, impostos, capital,
economia, regulação, reservas de mercado, etc. Bobagens. Reacionarismos. Nós
devemos ‘atear fogo na cara da burguesia’. Joel, meu querido, melhor tomar seus
cuidados.
Porque não é preciso cautela,
prudência, capitulações: bastam uns coquetéis na cabeça e outros na mão; bastam
umas camisetas amarradas na cara e, voilà!, o recém chegado do mundo da falta
de idéias agora é um Isaiah Berlin, um Trotsky. Um Hegel improvisado a encarnar
o ‘espírito objetivo’. Fosse tão fácil, fosse apenas sair andando por aí a
tocar o bumbo, teríamos feito há mais tempo, não é mesmo? Tudo que começa com
Liberté, Egalité, Fraternité termina em guilhotina.
E é divertido ver gente dizendo,
agora que a baderna saiu mesmo do armário ideológico, que ‘Não importa se o
movimento x é manipulado pelo grupo y!, porque o povo está nas ruas, o gigante
acordou e eu quero lutar por um mundo melhor!’. De fato, nunca importou. Não é
essa a intenção. E nem são os vinte centavos. Falando neles.
Falando nos vinte centavos,
ocorre o previsto: Fernando Haddad dizia, solene, que ceder à ‘pressão popular’
seria populismo indesculpável. Fernando Haddad e Geraldo Alckmin anunciam,
solenes, que atenderão aos apelos populares, e os vinte centavos, gatilho do
patriotismo de ocasião, não serão mais cobrados. Vitória cívica, satisfação,
lágrimas. Ótimo para a democracia, não é mesmo?
Péssimo para a democracia.
Há
certas vitórias que são derrotas. Se algo funciona no sistema democrático
representativo é justamente servir de anteparo ao populismo violento, às
pressões das maiorias sobre as minorias, das massas sobre os indivíduos.
Representantes são eleitos e se encarregam das leis, da fiscalização, da
justiça. Devem ser cobrados, avaliados e, se ruins, que não sejam reeleitos.
Não apenas a divisão de poderes, mas o fato mesmo de que as decisões são tomadas,
em tese, depois de conscienciosas deliberações garante alguma segurança
jurídica e o império das leis.
Fernando Haddad capitulou
precisamente no momento em que não poderia fazê-lo. Grupos com os mais variados
pretextos exigem coisas e as coisas exigidas são quase que imediatamente
atendidas. Conclusão: eles sabem que para negociar não é preciso mais do que
alguns coquetéis molotov na mão.
Se a democracia representativa
não satisfaz, agora as condições de possibilidade para a democracia direta estão
dadas. Manifestações sob as mais variadas bandeiras (muito embora a quase que
absoluta identidade de cores) tendem a tomar conta do cenário e isso nunca
terminou bem. Se não são mais as leis, será a força. Anomia. E a praça pública
dará lugar à praça de guerra. Contemos
com a pusilanimidade dos nossos revolucionários.
O que uns e outros não percebem é
que a tal ‘massa na rua’ é o ápice da despersonalização, da falta de qualquer
traço distintivo e, ipso facto, de vida inteligente. Vida inteligente não é aderir:
é precisamente o contrário disso. Jean Jacques Rousseau não era nada tolo. A
multidão anseia, desesperada, por um cadáver que legitime a explosão iminente
de violência. A volonté générale procura, desesperadamente, seu Robespierre.
Publicado no site Ad Hominem.
TEXTO REPRODUZIDO DO SITE MÍDIA
SEM MÁSCARA:
Imagem 1:
Imagem 2:
Nenhum comentário:
Postar um comentário