O prazer de extrapolar
Dora Kramer
A ministra Ana de Hollanda vai devolver as diárias que recebeu indevidamente do Ministério da Cultura, assim como os ministros das Comunicações, Paulo Bernardo, e Afonso Florence, do Desenvolvimento Agrário, devolverão as quantias correspondentes a dias de folga que os três passaram em seus Estados. Respectivamente , Rio, Paraná e Bahia.
Sem dramas nem contestações. A Controladoria Geral da União chegou à conclusão de que os três receberam extras por dias não trabalhados, recomendou a devolução e os ministros de imediato se prontificaram a seguir a recomendação.
Claro que o ideal teria sido que os ministérios não tivessem feito aqueles pagamentos e que os próprios ministros evitassem recorrer ao estratagema de marcar compromissos oficiais às segundas e sextas-feiras nas cidades em que mantêm residências.
O ótimo seria, inclusive, que não precisasse haver a denúncia via imprensa para que se fizessem as correções, mas, nesses casos, pelo menos a emenda não saiu pior que o soneto.
O mesmo já não se pode dizer do caso dos passaportes diplomáticos concedidos pelo Itamaraty aos filhos e netos do então presidente Lula, dois dias antes do fim do mandato.
Divulgada a concessão "por interesse do País", o Ministério Público analisou os 328 passaportes concedidos em caráter excepcional, concluiu que os sete concedidos à família Silva não eram justificáveis e pediu que fossem devolvidos.
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Na ocasião, um dos filhos do ex-presidente avisou que devolveria o seu e o Itamaraty achou por bem revisar as regras para concessão de passaporte tornando-as mais rígidas.
Tudo parecia se encaminhar para uma solução parecida com essa agora da devolução das diárias, mas algo aconteceu que deu ao desfecho outra direção: a da arrogância e da deselegância.
Os passaportes não foram devolvidos e, diante da insistência do Ministério Público, o Itamaraty manifestou-se pela defesa de uma irregularidade que ele mesmo reconheceu ao mudar as regras para a concessão dos documentos.
Por que tudo isso? Porque Luiz Inácio da Silva não admite ser contestado mesmo, quiçá principalmente, quando errado. Porque não quer dar o braço a torcer e porque se considera no direito de extrapolar e insistir na extrapolação pelo simples prazer de exercitar sua insolência e falta de polidez.
Resultado: leva o Ministério das Relações Exteriores - que se deixa levar - a uma situação delicada e, sobretudo, inútil, obriga o Ministério Público a requerer a devolução dos passaportes na Justiça, expõe filhos e netos à crítica pública sem a menor necessidade e ganha o quê?
Nada, além de acrescentar mais um a sua já extensa lista de maus exemplos. Para completar, agora só falta orientar a família a usar os passaportes a fim de "provar" que com ele ninguém pode.
Texto publicado em O Estado de S Paulo.
* http://documentoreservado.com.br/blog/lula-diz-que-%E2%80%9Cemendinha%E2%80%9D-poderia-mante-lo-no-poder/
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