Dica publicitária a Lars von Trier
24 Maio 2011
É fato repetidamente demonstrado no mundo das artes que louvar o matador de seis milhões é feio, mas louvar os matadores de cem milhões é bonito.
Vi no Jornal da Globo que o cineasta Lars von Trier arrumou confusão em Cannes, onde promovia seu novo filme, "Melancolia". Lá pelas tantas, depois das perguntas de praxe sobre isso e aquilo da película, questionaram o diretor acerca de declarações dele sobre o nazismo.
"Eu entendo Hitler. Claro que ele fez algumas coisas erradas, mas eu entendo o homem, simpatizo um pouco com ele. Não pela Segunda Guerra. Não sou contra judeus. Mas os israelenses são um pé no saco... Como posso sair dessa agora? OK, eu sou nazista".
Não dava pra saber com certeza se ele falava sério ou debochava. Na volta ao estúdio do JG, Christiane Pelajo tinha um semblante de reprovação, com direito a balançada de crânio para assinalar o desgosto. O festival de Cannes o declarou persona non grata. Poucas horas depois von Trier já estava se desculpando: "Se eu ofendi alguém, peço desculpas sinceras. Não sou anti-semita ou racista de qualquer maneira, e muito menos nazista".
O socialista Hitler matou uns seis milhões de indivíduos. O ultraje do comentário é compreensível, portanto. Mas a reação do show business seria totalmente outra se von Trier tivesse apresentado uma outra credencial: se tivesse dito que é comunista.
É fato repetidamente demonstrado no mundo das artes que louvar o matador de seis milhões é feio, mas louvar os matadores de cem milhões é bonito. Recordem, por exemplo, as loas a José Samarago. Não saiu uma só matéria na ocasião de sua morte que não destacasse seu currículo de comunista. "Defensor das causas sociais". "Lutou contra as injustiças". "Escritor engajado".
Defendia o regime do genocídio, da fome deliberada (pesquisem o que Stalin fez com a Ucrânia), do Gulag, do crime de opinião, da polícia política, da ideologia compulsória, do fuzilamento dos "inimigos do povo". Mas foi um homem preocupado com o bem da humanidade até o fim. Como disse o site da Globo, "Saramago uniu a atividade de escritor com a de homem crítico da sociedade, denunciando injustiças e se pronunciando sobre conflitos políticos de sua época".
Lars von Trier perdeu uma bela oportunidade. Imaginem a cena. Ele divaga sobre a nova obra, faz trejeitos inteligentes e, depois de um gole de champanhe, comunica aos repórteres, em tom ligeiramente sofrido: "Esse filme reflete o que eu sou. É um libelo contra as injustiças. Sou um comunista libertário. Aliás, tenho sido vítima do macarthismo de Hollywood". Não haveria mãos em Cannes para tanto aplauso. O filme logo se tornaria forte candidato à Palma de Ouro. Os cadernos culturais teriam um novo queridinho.
Texto publicado originalmente no jornal O Estado de S Paulo
COMENTO
Tem absoluta razão o jornalista Bruno Pontes. Caso o diretor von Trier comparecesse ao evento utilizando uma camiseta com uma foto de Che Guevara ou de Stálin, ou mesmo de Mao, e falasse qualquer bobagem sobre a sua admiração por Cuba ou pela felicidade indescritível do povo norte coreano, teria sido aplaudido. Em muitos países as ideias nacionais socialistas foram banidas, assim como seus símbolos. Nem sei se esse é o melhor caminho, a censura a um tipo de ideias.
Mas se é para ser assim, estou com o diretor do documentário Soviet Story, Edvins Snore, que propõe que se Hitler e suas ideias foram causadores de um grande genocídio, sendo banidos, também as ideias comunistas e seus símbolos e ícones deveriam ser varridos da face da Terra. Afinal, os comunistas produziram um genocídio muitas vezes maior. Mataram mais de cem milhões de pessoas.
Se alguém tiver interesse veja o documentário, é fantástico. E muito triste e chocante.
THE SOVIET STORY
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