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sexta-feira, 5 de julho de 2013

O PROLETÁRIO COMO JUMENTO ANALFABETO. "A caricatura do "proletário" como um jumento apedeuta diz mais sobre as patrulhas politicamente corretas do que sobre o proletariado que elas julgam defender." (João P. Coutinho)




Amestrando proletários

João Pereira Coutinho
05 Julho 2013

O conhecimento verdadeiro não tem cor, sexo ou classe. E, quando tem, então não é conhecimento verdadeiro.


O problema do pensamento politicamente correto é que ele nada tem de correto. Pior: na ânsia de impedir qualquer ofensa a grupos ou minorias, ele converte-se na mais grotesca ofensa que existe para esses grupos ou minorias.

A revista alemã "Der Spiegel" relata um caso que merece partilha: parece que a Universidade Livre de Berlim decidiu publicar um guia interno para que os alunos de famílias proletárias possam ser mais facilmente integrados na vida acadêmica. E que nos diz o guia?

Coisas sensatas. Primeiro, informa os estudantes da instituição que os coleguinhas proletários não se sentem naturalmente confortáveis em ambientes não proletários.

Mas o guia vai mais longe e exorta os alunos de classe média a gerar o ambiente ideal para que os coleguinhas proletários se sintam em casa. Como? Por exemplo, aconselhando a classe média a não criticar ou ridicularizar nenhuma afirmação dos coleguinhas proletários.

Para os autores do guia, os alunos proletários são como certas espécies zoológicas que é necessário proteger em "habitat" adequado. E isso implica não os assustar e, logicamente, não os alimentar com doses arcaicas de conhecimento "burguês" e "reacionário".

Como é evidente, o pensamento politicamente correto das patrulhas parte de duas ideias profundamente ofensivas.

OS POLITICAMENTE CORRETOS VÊEM OS PROLETÁRIOS COMO JUMENTOS ANALFABETOS
A primeira ideia é a defesa explícita de que alunos de famílias proletárias estranham e definham em ambientes eruditos. Sim, seria possível fazer uma lista de intelectuais gerados pelo proletariado --de Jack London a D.H. Lawrence-- que marcaram a história da cultura ocidental.

As patrulhas politicamente corretas não conhecem essa lista. Preferem a caricatura do filho do operário fabril que só consegue ser feliz e "autêntico" no meio da fuligem. Livros, para ele, dão soneira. Ou coceira, tanto faz.

Mas é a segunda recomendação que impressiona pela sua evidente discriminação. Para as patrulhas, sempre que um aluno proletário abre a boca, é preciso ser condescendente para escutar as alarvidades que ele diz.

A universidade não é uma universidade, com a missão de corrigir erros e procurar algum conhecimento válido para todos. A universidade é uma grande encenação --ou, melhor ainda, uma sessão coletiva de terapia onde ninguém está certo (ou errado) porque todos estão certos (ou errados).

O que o pensamento politicamente correto produz não é difícil de imaginar: a perpetuação do estigma de alunos proletários e a impossibilidade de eles aprenderem alguma coisa (na universidade) para ascenderem social e economicamente (na vida profissional).

Quando se sai da universidade exatamente como se entrou, é preciso perguntar que mecanismo de atraso explica o resultado. Ironia: o atraso é promovido por aqueles que imaginam lutar contra ele.

Depois de críticas severas da imprensa alemã, o guia da Universidade Livre de Berlim foi retirado para "reformulação". Mas ele deveria ensinar duas lições preciosas aos fanáticos do pensamento politicamente correto.

Para começar, ele ensina como é tirânico falar em nome de grupos inteiros. Porque não existem grupos inteiros. O proletariado não existe. Os negros não existem. Os gays, as mulheres, os anões não existem.

O que existe são indivíduos diversos, com histórias ou interesses diversos. Haverá proletários que não gostam de livros. Haverá proletários que não vivem sem eles.

E haverá burgueses, genuínos burgueses, para quem ler, escrever e pensar são formas medievais de tortura. Conheço vários.

A caricatura do "proletário" como um jumento apedeuta diz mais sobre as patrulhas politicamente corretas do que sobre o proletariado que elas julgam defender.

Por último, respeitar as pessoas não significa tratá-las como crianças. Ou como velhos dementes a quem sorrimos e aplaudimos sempre que eles tentam vestir as cuecas pela cabeça.

O conhecimento verdadeiro não tem cor, sexo ou classe. E, quando tem, então não é conhecimento verdadeiro.

Um guia decente para uma universidade decente só precisava de duas mensagens: "bem-vindo" e "mostra o que vales". Nada mais.

João Pereira Coutinho, português, é escritor e doutor em ciência política.
Publicado no jornal Folha de São Paulo.

TEXTO REPRODUZIDO DO SITE MÍDIA SEM MÁSCARA:

JUMENTO:

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