AS CRIANCINHAS AFRICANAS
Gustavo Nogy
22 de julho de 2013
The law of
unintended consequences is stronger than the most absolute power.
Theodore Dalymple
REPARO NUM FENÔMENO interessante: nossos jovens idealistas
preocupam-se com as criancinhas africanas. Com os velhinhos africanos. Com as
mulheres africanas. E, vá lá, até mesmo com alguns daqueles homens africanos
com cara de quem não comeu e, por isso mesmo, não gostou.
Vieram-me dois amigos, com alguma gravidade e indisfarçável
orgulho, trazer as boas novas: vão meter caras em África. Vão ajudar aquele
povo faminto e sofrido. Um, há de se tornar médico e embarcar imediatamente (ou
seja, na mais razoável das hipóteses, em dez anos); a outra pretende ingressar
numa missão de paz qualquer, e levar aos africanos as coisas todas de que
precisam. Presumo que já tenha comprado alguns espelhinhos.
Ouço tudo isso com atenção e não posso deixar de apreciar o
gesto. Aprecio a generosidade alegada, evidentemente, desses e de outros
jovens. É sempre bom desligar o computador por algumas horinhas e perceber que
há mundo objetivo aí fora. Mas tenho minhas ressalvas.
Sempre achei engraçado esse idealismo a longas distâncias.
Pretende-se fazer longe, a milhares de quilômetros, aquilo que não se faz a
duzentos metros. Esbanja-se um heroísmo de grandes feitos em lugar da
possibilidade imediata de auxílio. O jovenzinho esquerdista pretende uma
abnegação digna de Gandhi, mas não junta coragem suficiente para deixar passar
a cerveja de um fim de semana.
E o fato é que eu não sei se eles sabem o que toda a gente
sabe, mas de Bono Vox a Sharon Stone, de Paulo Coelho a Bill Gates, do Live Aid
à Cruz Vermelha Internacional, todos se preocupam com as criancinhas africanas.
São tantas boas intenções que não pode haver tantas boas intenções assim.
Angelina Jolie se importa tanto que, sazonalmente, carrega com ela algum
souvenir.
Ao longo de décadas, bilhões de dólares foram despejados no
continente e, salvo engano, foram parar, em sua maior parte, nas mãos dos
admiráveis ditadores de seus respectivos países. Com isso não quero dizer que
se deixe de ajudar os países africanos, e há centenas de pessoas trabalhando
anonimamente, com verdadeiro espírito de entrega e serviço, que merecem nossa
mais entusiástica admiração. Quero dizer que as coisas são muito menos simples
do que parecem. Generosidade, apenas, não resolve o problema, ainda que aplaque
a consciência de cantores de rock.
Porque não é de cantores, de atrizes, de escritores que a
África precisa. Muito menos de um imenso, de um inesgotável bolsa-família. Não
posso acreditar que, passados tantos anos, enviado tanto dinheiro, ninguém
ainda tenha percebido que esse, definitivamente, não é o problema. O problema
da África são os africanos. Cruel?
Não, não é cruel. Não são os famintos, os culpados. Mas seus
líderes, seus ditadores, seus chefes tribais, suas juntas militares, suas
guerrilhas. As instituições ocidentais simplesmente não deram as caras por lá –
razões históricas e geopolíticas complexas demais talvez expliquem o fenômeno –
e, gostemos ou não de admitir, mesmo com os defeitos que obviamente temos,
creio termos chegado mais perto de alguma coisa que vaga e equivocamente podemos
chamar de civilização.
E é isso o que falta àquele continente. Eles não precisam de
mais ONGs, de mais dinheiro, de mais fotos sempre tão kitsch do Sebastião
Salgado: eles precisam é de capitalismo. ‘Selvagens’ eles já são. Estão
cansados de sê-lo. Eles carecem de tudo aquilo que nos sobra – crises à parte –
e de que estamos enojados. Eles precisam de uma classe média fascista e
ignorante. De empresários inescrupulosos. De instituições sólidas o suficiente
para que possam ter, como assunto de grave importância a ser discutido na hora
do almoço (que também teriam), se as instituições não serão por demais duras –
e, portanto, intolerantes – com os nunca assaz satisfeitos grupos de gays, de
feministas, de ecologistas, de ciclistas, de chauís e de pintainhos.
Eles
merecem o privilégio de uma desigualdade tamanha, no ótimo sentido a que
estamos habituados, para que sakamotinhos também nasçam por lá.
Vale a pena ser missionário em África? Enquanto houver Bono
Vox com a sua cantoria afetada, cheia de boas intenções e estupidez política;
enquanto houver a exemplar Jolie fazendo as compras de fim de ano; e enquanto
faltar hambúrgueres e refrigerantes, sempre valerá a pena que missionários
aportem no continente. Mas não é só de santos e de abnegados que se fazem os
países. A África também precisa conhecer a venerável figura de Ronald
MacDonald.
TEXTO REPRODUZIDO DO SITE MÍDIA SEM MÁSCARA:
ADHOMINEM:
http://www.adhominem.com.br/
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