O REMÉDIO ERRADO
(Da Revista Veja)
Por que o programa federal Mais
Médicos, que obriga os alunos de medicina a trabalhar dois anos no SUS, já
nasce como arbitrariedade e não tem como dar certo
A medida provisória que amplia, a
partir de 2015, de seis para oito anos a duração do curso de medicina e obriga
os estudantes a trabalhar durante esse período extra no SUS é o remédio errado
para um antigo problema da saúde no Brasil: a má distribuição geográfica dos
médicos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza, no mínimo, um médico
para cada 1000 habitantes. Em média, temos o dobro disso. Os números gerais, no
entanto, escondem a disparidade no modo como os médicos estão alocados pelo
país.
Da iniquidade, emergem dois Brasis. Quem vive nas capitais tem acesso ao dobro da atenção dispensada a quem mora fora dos grandes centros. Além disso, 72% dos médicos estão nas regiões Sul e Sudeste. É bobagem imaginar que esse desequilíbrio possa ser resolvido com o despacho de alunos de medicina para os rincões desamparados, como pretende fazer a presidente Dilma com o programa Mais Médicos.
Da iniquidade, emergem dois Brasis. Quem vive nas capitais tem acesso ao dobro da atenção dispensada a quem mora fora dos grandes centros. Além disso, 72% dos médicos estão nas regiões Sul e Sudeste. É bobagem imaginar que esse desequilíbrio possa ser resolvido com o despacho de alunos de medicina para os rincões desamparados, como pretende fazer a presidente Dilma com o programa Mais Médicos.
“Sem melhoria das condições
estruturais básicas, o médico enviado a esses locais não será capaz de mudar a
realidade da população”, diz Roberto Luiz d’Avila, presidente do Conselho
Federal de Medicina. Continuariam a faltar remédios, seringas, enfermeiros,
leitos com lençóis limpos e, em muitos casos, até água potável. Não há solução
mágica. Nas palavras de Milton de Arruda Martins, professor de clínica médica
da USP, “não há saúde sem médico, mas também não há saúde apenas com médicos”.
VEJA lista cinco motivos que
comprovam a ineficácia da MP dos médicos, fadada ao fracasso.
1 - É INCONSTITUCIONAL
Todas as Constituições
democráticas do mundo estabelecem uma série de direitos individuais capazes de
preservar a liberdade dos cidadãos nas mais diversas esferas. Só existe vida
digna se o cidadão tem liberdade de ir e vir, de pensar e se expressar, de professar
a religião que quiser, entre outros tantos direitos básicos. No Brasil, a
Constituição garante expressamente que também é livre “o exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão”.
Não se pode obrigar alguém a trabalhar onde não quer. “O governo diz que os dois anos de trabalho no SUS são uma complementação da formação médica, mas na verdade são uma obrigação de prestação de serviço, claramente inconstitucional”, diz o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. "O único serviço obrigatório permitido no país é o militar.” Segundo o jurista, como dificulta a obtenção do diploma sem oferecer complementação didática ou pedagógica, a medida restringe o exercício profissional dos médicos, o que também afronta a liberdade profissional e, portanto, a Constituição.
Além disso, o fato de a proposta ter sido feita via medida provisória é uma aberração. "Medidas provisórias são para questões urgentes, e essa MP somente valerá para estudantes que entrarem na universidade em 2015", afirma Reale Júnior.
Não se pode obrigar alguém a trabalhar onde não quer. “O governo diz que os dois anos de trabalho no SUS são uma complementação da formação médica, mas na verdade são uma obrigação de prestação de serviço, claramente inconstitucional”, diz o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. "O único serviço obrigatório permitido no país é o militar.” Segundo o jurista, como dificulta a obtenção do diploma sem oferecer complementação didática ou pedagógica, a medida restringe o exercício profissional dos médicos, o que também afronta a liberdade profissional e, portanto, a Constituição.
Além disso, o fato de a proposta ter sido feita via medida provisória é uma aberração. "Medidas provisórias são para questões urgentes, e essa MP somente valerá para estudantes que entrarem na universidade em 2015", afirma Reale Júnior.
2 - É AUTORITÁRIA
O caminho natural para alterar
regras que influenciam o cotidiano da população é o Poder Legislativo. “O
governo preferiu agir sozinho com essa espécie de chantagem contra os
estudantes em vez de pedir a participação do Congresso, o que é uma atitude
claramente autoritária”. diz Carlos Ari Sundfeld, professor da Fundação Getulio
Vargas.
A arbitrariedade de Dilma decorre de incompetência e má gestão. “O problema de falta de médicos no interior do Brasil é de mercado de trabalho, e não de regulamentação profissional”, diz Marcelo Figueiredo, diretor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. “Como o governo tentou — mas não conseguiu — atrair médicos para esses lugares com medidas políticas, achou que o jeito de suprir sua incompetência era obrigando os estudantes a trabalhar no SUS.”
A arbitrariedade de Dilma decorre de incompetência e má gestão. “O problema de falta de médicos no interior do Brasil é de mercado de trabalho, e não de regulamentação profissional”, diz Marcelo Figueiredo, diretor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. “Como o governo tentou — mas não conseguiu — atrair médicos para esses lugares com medidas políticas, achou que o jeito de suprir sua incompetência era obrigando os estudantes a trabalhar no SUS.”
3 - REFORÇA A DESIGUALDADE
A MP dos Médicos aguçará ainda
mais as diferenças entre os sistemas público e privado de saúde. Aos mais
pobres caberá como única opção o atendimento feito por profissionais ainda em formação. Além do
serviço compulsório de estudantes no SUS, o programa Mais Médicos isenta os
médicos formados no exterior da obrigatoriedade da revalidação do diploma. Não
será preciso também comprovar os conhecimentos na língua portuguesa com teste
de proficiência. A única exigência é que eles participem de um curso com
duração de três semanas em uma universidade conveniada ao programa.
Nesse período, os professores brasileiros determinam se o profissional está apto para exercer a medicina e receber uma bolsa de 10000 reais por mês. “O Brasil está dando autorização para que médicos exerçam a profissão sem saber se eles têm competência ou não. Está-se criando a medicina dos pobres”, diz Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira.
Como diminuir a desigualdade? O grande problema do país é o baixo financiamento federal para a saúde pública. Concordam nove especialistas ouvidos por VEJA. No Brasil, a participação do governo no gasto nacional em saúde é de 47%, enquanto na Inglaterra chega a 83%. “A falta de médicos é apenas uma parte da equação”, diz Paulo Hoff, diretor clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês.
Na França, Inglaterra e Suécia, que possuem um sistema público semelhante ao brasileiro, o investimento per capita na saúde é seis vezes o daqui. “Nosso gasto hoje é comparável ao desses países na década de 60”, diz Adib Jatene, ex-ministro da Saúde. Sem recursos federais adequados, muitas prefeituras não têm condições de bancar o atendimento médico e a manutenção da infraestrutura.
Nesse período, os professores brasileiros determinam se o profissional está apto para exercer a medicina e receber uma bolsa de 10000 reais por mês. “O Brasil está dando autorização para que médicos exerçam a profissão sem saber se eles têm competência ou não. Está-se criando a medicina dos pobres”, diz Florentino Cardoso, presidente da Associação Médica Brasileira.
Como diminuir a desigualdade? O grande problema do país é o baixo financiamento federal para a saúde pública. Concordam nove especialistas ouvidos por VEJA. No Brasil, a participação do governo no gasto nacional em saúde é de 47%, enquanto na Inglaterra chega a 83%. “A falta de médicos é apenas uma parte da equação”, diz Paulo Hoff, diretor clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês.
Na França, Inglaterra e Suécia, que possuem um sistema público semelhante ao brasileiro, o investimento per capita na saúde é seis vezes o daqui. “Nosso gasto hoje é comparável ao desses países na década de 60”, diz Adib Jatene, ex-ministro da Saúde. Sem recursos federais adequados, muitas prefeituras não têm condições de bancar o atendimento médico e a manutenção da infraestrutura.
4 - É INCOERENTE
Em defesa do serviço médico
compulsório, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, saiu-se com a história
de que a medida melhoraria o serviço de saúde para o povo e humanizaria a
profissão. “Esse é um argumento de quem, claramente, não conhece a
universidade”, diz Milton de Arruda Martins, professor da USP. “Quem cursa
medicina nos moldes atuais (seis anos) já pratica o internato hospitalar com
pacientes do SUS no 5o e 6o anos.”
A residência médica, que confere o título de especialista ao médico, tem duração de dois a cinco anos e também é feita, na imensa maioria dos casos, na rede pública.
Com o novo programa, o governo espera a entrada de 20 500 médicos na chamada “atenção básica” em 2021. Em nota, o Ministério da Saúde garante que esses alunos serão supervisionados por professores. Outra falácia. “Há um sucateamento da educação médica no país. Alguns cursos de medicina não têm nem hospital apropriado para o ensino, com um preceptor e um ambiente apto a receber estudantes”, diz Mário Scheffer. do departamento de medicina preventiva da USP e coordenador do estudo “Demografia médica no Brasil”.
A MP dos Médicos propõe ainda a criação de 11.447 vagas de graduação em medicina, tanto em escolas já existentes como em novos cursos em regiões mais desassistidas. “A interiorização de escolas de medicina não resolve a fixação do médico. Elas funcionam como repúblicas de estudantes. A maioria deles vem dos grandes centros para fugir da concorrência e depois retorna ao seu local de origem”, explica Scheffer.
A residência médica, que confere o título de especialista ao médico, tem duração de dois a cinco anos e também é feita, na imensa maioria dos casos, na rede pública.
Com o novo programa, o governo espera a entrada de 20 500 médicos na chamada “atenção básica” em 2021. Em nota, o Ministério da Saúde garante que esses alunos serão supervisionados por professores. Outra falácia. “Há um sucateamento da educação médica no país. Alguns cursos de medicina não têm nem hospital apropriado para o ensino, com um preceptor e um ambiente apto a receber estudantes”, diz Mário Scheffer. do departamento de medicina preventiva da USP e coordenador do estudo “Demografia médica no Brasil”.
A MP dos Médicos propõe ainda a criação de 11.447 vagas de graduação em medicina, tanto em escolas já existentes como em novos cursos em regiões mais desassistidas. “A interiorização de escolas de medicina não resolve a fixação do médico. Elas funcionam como repúblicas de estudantes. A maioria deles vem dos grandes centros para fugir da concorrência e depois retorna ao seu local de origem”, explica Scheffer.
Exemplos bem-sucedidos na França
e no Canadá mostram que os médicos se fixam em regiões mais recônditas por três
motivos: bom salário, plano de carreira adequado e possibilidade de
especialização e aperfeiçoamento. A solução no Brasil, portanto, seria a
criação de uma carreira federal nos moldes do que já existe no Judiciário e no
Exército. Terá os melhores salários, as maiores gratificações ou a ascensão
mais rápida quem optar — e não for obrigado — por trabalhar na áreas inóspitas.
O Canadá adotou com sucesso essa estratégia. Graças aos incentivos governamentais, entre 2007 e 2011, o número de generalistas aumentou 14%. Hoje, metade dos médicos canadenses dedica-se aos cuidados básicos da saúde. É em casos como esse que o governo de Dilma deveria se inspirar — e não inventar remédios que podem matar o doente.
O Canadá adotou com sucesso essa estratégia. Graças aos incentivos governamentais, entre 2007 e 2011, o número de generalistas aumentou 14%. Hoje, metade dos médicos canadenses dedica-se aos cuidados básicos da saúde. É em casos como esse que o governo de Dilma deveria se inspirar — e não inventar remédios que podem matar o doente.
Data: 15/07/2013 Fonte: Revista Veja - Internet
http://www.senado.gov.br/noticias/senadonamidia/noticia.asp?n=855171&t=1
FACEBOOK.COM/FALTADESAUDE
SOS SAUDE BRASILEIRA
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