A fervura da presidente
O Estado de S.Paulo, Opinião
6 de julho de 2013
A governante em fim de mandato,
já diziam os velhos políticos, nem cafezinho é servido. A presidente Dilma
Rousseff tem ainda um ano e meio de mandato pela frente, a copa do Planalto
continua às suas ordens, mas a cada dia fica mais evidente o processo de fervura
a que está sendo submetida. Não admira.
Chacoalhando na ribanceira das
pesquisas de opinião, conseguiu ser a um só tempo oportunista e estabanada ao
tentar desviar as atenções gerais do descalabro dos serviços públicos,
denunciado nas ruas a plenos pulmões, apresentando-se, para recuperar a
popularidade perdida, como padroeira de uma redentora reforma política mediante
plebiscito - como se essa fosse a demanda central das manifestações que
espocaram por todo o País.
Agindo de novo como a dona da verdade
que imagina ser, ignorou o vice-presidente e jurista Michel Temer, para não
falar dos líderes da base aliada, e jogou na mesa o curinga de uma consulta
popular para a convocação de uma Constituinte apartada do Congresso com a
exclusiva incumbência de reescrever as regras do sistema político e eleitoral.
O lance, que a seu juízo decerto parecia genial, sucumbiu em menos de 24 horas,
ao ficar escancarada a sua ilegalidade.
Dilma não se deu por achada:
alegou, descaradamente, que o que propusera não era bem isso e voltou à carga
com a feitiçaria de outro plebiscito para obrigar os políticos a fazer a
reforma a tempo de entrar em vigor já nas eleições de 2014. E, para mostrar
quem é que manda, enviou ao Congresso cinco "sugestões" de mudança, como
se nunca antes elas tivessem sido cogitadas por deputados e senadores.
O açodamento, combinado com a
soberba, a cegou para os obstáculos que fariam a mágica desandar. Antes de mais
nada, não previu que a Justiça Eleitoral exigiria 70 dias de prazo, a contar da
aprovação do teor do plebiscito no Legislativo, para providenciar a sua
realização. Nem que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), respaldado pelos
titulares dos 27 tribunais regionais, alertasse que não pode autorizar
consultas sobre temas a que o eleitorado não pode responder ou acerca dos quais
não esteja suficientemente esclarecido.
Na primeira categoria está a
Constituição, insuscetível de ser alterada nas urnas. O prazo estipulado pelo
TSE caiu do céu para os presidentes peemedebistas da Câmara e do Senado e as
respectivas lideranças nas duas Casas, que se opõem ao plebiscito, ainda que
alguns o tenham endossado da boca para fora.
Reunidos com o vice (e presidente
licenciado do PMDB) Michel Temer e uma trinca de ministros, líderes de oito
partidos aliados reiteraram que não seria possível aprovar os termos do
plebiscito, justificar na TV posições a favor ou contra cada um deles, efetuar
a consulta e transformar em lei os seus resultados, tudo antes de 5 de outubro,
quando devem estar definidas as normas da eleição cujo primeiro turno se
realizará na mesma data de 2014.
Temer, cuja lealdade primeira é com o PMDB e
que não há de ter digerido a marginalização a que a presidente o submeteu no
episódio da Constituinte, disse que "não havendo condições temporais (sic)
para fazer a consulta", é preciso aceitar o "inexorável" -
reforma política só para as eleições subsequentes. O que se seguiu foi uma
patética demonstração de que Dilma só faz correr atrás dos prejuízos para a sua
autoridade que ela mesma se encarrega de causar.
A presidente pediu a Temer que
voltasse atrás, e ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que reforçasse
o recuo. Eles divulgaram notas ladinas, repetindo que o "ideal"
continua sendo um plebiscito para valer em 2014. O episódio apenas acentua a
solidão política de Dilma, enquanto o seu mentor se vê obrigado a negar a toda
hora que tenha parte com o "volta, Lula". O coro cresce na razão
direta das "barbeiragens" da sua escolhida, como ele teria
qualificado a ideia da Constituinte exclusiva.
Ontem, a colunista Dora Kramer,
do Estado, revelou que a presidente desabafou com um político: "Ninguém me
defende". Informado, o titular do Senado, Renan Calheiros, retrucou:
"Ela tentou jogar a crise no colo do Congresso". É de lembrar o
clássico Ninguém me ama, de Antônio Maria: "… E quem me abraça não me quer
bem".
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