Promotor de Justiça da Comarca de Cerro Azul
Virou modismo no Brasil defender a descriminalização do uso de drogas, principalmente da “maconha”, fundamentado-a em orientação ideológica no sentido de que o usuário de drogas não seria criminoso, mas sim uma espécie de “doente” que poderia livremente dispor da sua saúde e integridade física.
O respeito à liberdade de expressão dos cidadãos brasileiros na defesa das idéias e ideais descriminalizadores é imposição democrática, contudo, o que não se pode concordar é com decisões judiciais arquivando processos contra pessoas encontradas com pequenas quantidades de “maconha” com o argumento simplista de que a conduta seria insignificante, ou seja, portar um pequeno “cigarrinho” com 01 (um) grama de “maconha” não seria crime pela insignificância da conduta, afastando-se a tipicidade material e, consequentemente, a justa causa para a ação penal.
Primeiramente, cabe salientar que o crime de porte de substância entorpecente ou substância capaz de causar dependência física/psíquica, previsto na recente Lei de Tóxicos, é um crime de perigo, com fins ideológicos, ou seja, a lei pune o usuário não porque lesionou a sua integridade física ou saúde individual, bens disponíveis quando violados pelo próprio titular, tanto que a conduta de ter acabado de fumar “maconha”, por exemplo, estando com o resto do cigarro na mão, sem portar a droga, não é considerado crime, mas a lei pune o usuário, sim, pela prática, ao portar a droga para uso, do incentivo ao gravíssimo crime de tráfico, este último um perigo concreto de lesão à saúde individual de milhares de cidadãos brasileiros, em regra jovens.
Eis, portanto, o fundamento para a incriminação do porte de “droga” para o uso próprio: com referida atitude o usuário, mesmo que possa livremente dispor da sua saúde, incentiva o traficante a manter forte a sua “empresa”, contribuindo não mais para a destruição da sua saúde individualmente considerada, mas, sim, para a lesão ou perigo concreto delesão à Saúde Pública, ou seja, à saúde de todos os cidadãos brasileiros abstratamente considerada.
Em segundo lugar deve ser considerado que o crime de porte de “droga” é de perigo concreto, ou seja, o resultado jurídico lesão ao bem abstrato “Saúde Pública”, objeto da tutela estatal, é presumido, relativamente, com a prova de que o denunciado portava a “droga” em pequena quantidade com o dolo de uso, existindo a possibilidade do réu provar em juízo a ausência de lesão à Saúde Pública, como, por exemplo, quando da falta nos autos de Laudo Toxicológico ou da existência de Laudo negativo, aferidor da não toxicidade da substância proibida, no caso da “maconha”, ausência na Cannabis Sativa Lineu ( nome técnico da “maconha”) das substâncias proibidas canabinol, o canabidiol e tetrahidrocanabinol (THC).
Resumindo: cidadão é encontrado com um cigarro com 01 (um) grama de “maconha”. Faz-se o Laudo Toxicológico e se constata a substância proibida pelo Ministério da Saúde THC (tetrahidrocanabinol).
Solução: O processo deve ser aberto e prosseguir com a imposição de uma pena alternativa ao criminoso, repita-se, criminoso, eis que, como foi dito,com aconstatação de que na pequena porção de droga havia uma substância capaz de causar dependência física ou psíquica, o réu incentivou a manutenção de um crime de tráfico, melhor, tecnicamente falando, causou um perigo concreto de lesão à Saúde Pública, visto que a substância tóxica THC estava presente mesmo que na pequena quantidade de droga, logo,houve a produção do perigo de lesão à saúde individual do usuário, referencial objetivo do bem abstrato saúde pública.
Diante do que se disse acima emerge uma patente constatação: A sociedade brasileira entendeu, através do legislador da recente Lei de Tóxicos, que deveria ser mantida a antecipação substâncias proibidas pelo Ministério da Saúde e diagnosticadas por toxicologistas em Laudo Técnico Definitivo.
Portanto, caro leitor, totalmente “esquizofrênica” a decisão judicial que arquiva processo contra usuário com o fundamento de que portar um cigarrinho de “maconha” é conduta insignificante, visto que a presença da substância proibida THC ( capaz de causar dependência física/psíquica ) na pequena porção de droga apreendida com o réu, já
confere legitimidade para que o Estado Brasileiro, antecipadamente, puna o usuário, tutelando não a saúde individual daquele criminoso, mas, sim, a Saúde Pública, bem digno de tutela de urgência e ameaçado cotidianamente pelo crime de tráfico.
Importante reafirmar que a Lei de Tóxicos não tutela diretamente a saúde individual da população brasileira, mas, sim, a Saúde Pública abstratamente considerada. O perigo concreto de lesão à saúde individual do “portador” de entorpecente ou substância capaz de causar dependência física ou psíquica, tendo como referencial o Laudo Toxicológico, somente é considerado como paradigma real para a tipicidade material nos casos concretos, ou seja, como o bem jurídico Saúde Pública é metafísico, abstrato, necessita o Promotor de Justiça e o Magistrado, no afã de verificação prática do real perigo de lesão da droga apreendida à Saúde Pública, valer-se da comparação com a saúde individual, verificando, através do Laudo Toxicológico, a presença da substância proibida pelo Ministério da Saúde.
Portanto, caro leitor, “insignificante” sim, são as elucubrações academicistas no sentido de o usuário de “maconha” pode dispor da sua saúde individual como fundamento para a impunidade dos toxicômanos, visto que o que se está protegendo ao punir, repita-se, com pena alternativa o usuário, não com prisão, é a Saúde Pública contra os traficantes, não a saúde individual do usuário punido.
No sentido do que foi dito, vejamos recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, em julgamentos unânimes, contrárias à utilização precipitada do princípio da insignificância no crime de porte de entorpecente para uso próprio:
HC 81734 / PR - PARANÁ HABEAS CORPUS Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES Rel. AcórdãoMin.RevisorMin.Julgamento: 26/03/2002 Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação: DJ 07-06-2002 PP-00095 EMENT VOL-02072-02 PP-00362
Ementa: - DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME MILITAR DE POSSE E USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE (ART. 290 DO CÓDIGO PENAL MILITAR). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU CRIME DE BAGATELA. "HABEAS CORPUS". 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não abona a tese sustentada na impetração (princípio da insignificância ou crime de bagatela). Precedentes. 2. E não é desprezível a circunstância de o militar ter sido preso em flagrante, quando fumava cigarro de maconha em área sujeita a administração militar. 3.
"H.C."indeferido.
HC 82324 / SP - SÃO PAULO HABEAS CORPUS Relator(a): Min. MOREIRA ALVES Rel. AcórdãoMin. RevisorMin.Julgamento: 15/10/2002 Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação: DJ 22-11-2002 PP-00068 EMENT VOL-02092-03 PP-00497
Ementa: - "Habeas corpus". Crime previsto no artigo 12 da Lei 6.368/76. Princípio da insignificância. Precedentes do S.T.F. - Ainda recentemente, esta Primeira Turma, julgando o HC 81.734, de que foi relator o eminente Ministro Sydney Sanches, com relação a militar que fumava cigarro de maconha em área sujeita a administração militar, não admitiu o princípio da insignificância ou crime de bagatela quanto a crime de posse e de uso de substância entorpecente, citando uma série de precedentes desta Corte, antigos e recentes, no sentido de que a pequena quantidade de tóxico encontrada em poder do réu não descaracteriza quer o crime do artigo 16 da Lei 6.368/76 (como ocorre no caso presente em que se trata de porte de "crack"), quer o do artigo 12 da mesma Lei. Nesse sentido, os RHCs 51.235 e
45.973, HCs 68.516, 69.806, 71.638 e 74.661, e o RC 108.697.
Neurocientistas pedem em carta a legalização da maconha...
ResponderExcluirUm grupo de neurocientistas que estão entre os mais renomados do Brasil escreveu uma carta pública para defender a liberalização da maconha não só para uso medicinal, mas para "consumo próprio", informa Eduardo Geraque em reportagem publicada na edição desta quarta-feira da Folha.
A motivação do documento foi a prisão do músico Pedro Caetano, baixista da banda de reggae Ponto de Equilíbrio, que ganhou repercussão na internet. Ele está preso desde o dia 1º sob acusação de tráfico por cultivar dez pés de maconha e oito mudas da planta em casa, em Niterói (RJ). Segundo o advogado do músico, ele planta a erva para consumo próprio.
Os cientistas falam em nome da SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) , que representa 1.500 pesquisadores. De acordo com os membros da sociedade, existe conhecimento científico suficiente para, pelo menos, a liberalização do uso medicinal da maconha no Brasil.
Veja a íntegra da carta:
[i]"A planta Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é utilizada de forma recreativa, religiosa e medicinal há séculos mas só há poucos anos a ciência começou a explicar seus mecanismos de ação.
Na década de 1990, pesquisadores identificaram receptores capazes de responder ao tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, na superfície das células do cérebro. Essa descoberta revelou que substâncias muito semelhantes existem naturalmente em nosso organismo, permitiu avaliar em detalhes seus efeitos terapêuticos e abriu perspectivas para o tratamento da obesidade, esclerose múltipla, doença de Parkinson, ansiedade, depressão, dor crônica, alcoolismo, epilepsia, dependência de nicotina etc. A importância dos canabinóides para a sobrevivência de células-tronco foi descrita recentemente pela equipe de um dos signatários, sugerindo sua utilização também em terapia celular.
Em virtude dos avanços da ciência que descrevem os efeitos da maconha no corpo humano e o entendimento de que a política proibicionista é mais deletéria que o consumo da substância, vários países alteraram, ou estão revendo, suas legislações no sentido de liberar o uso medicinal e recreativo da maconha. Em época de desfecho da Copa do Mundo, é oportuno mencionar que os dois países finalistas, Espanha e Holanda, permitem em seus territórios o consumo e cultivo da maconha para uso próprio.
Ainda que sem realizar uma descriminalizaçã o franca do uso e do cultivo, como nestes países, o Brasil, através do artigo 28 da lei 11.343 de 2006, veta a prisão pelo cultivo de maconha para consumo pessoal, e impõe apenas sanções de caráter socializante e educativo.
Infelizmente interpretações variadas sobre esta lei ainda existem. Um exemplo disto está no equívoco da prisão do músico Pedro Caetano, integrante da banda carioca Ponto de Equilíbrio. Pedro está há uma semana numa cela comum acusado de tráfico de drogas. O enquadramento incorreto como traficante impede a obtenção de um habeas corpus para que o músico possa responder ao processo em liberdade. A discussão ampla do tema é necessária e urgente para evitar a prisão daqueles usuários que, ao cultivarem a maconha para uso próprio, optam por não mais alimentar o poderio dos traficantes de drogas.
A Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) irá contribuir na discussão deste tema ainda desconhecido da população brasileira. Em seu congresso, em setembro próximo, um painel de discussões a respeito da influência da maconha sobre a aprendizagem e memória e também sobre as políticas públicas para os usuários será realizado sob o ponto de vista da neurociência. É preciso rapidamente encontrar um novo ponto de equilíbrio."
[b]Cecília Hedin-Pereira (UFRJ, diretora da SBNeC)
João Menezes (UFRJ)
Stevens Rehen (UFRJ, diretor da SBNeC)
Sidarta Ribeiro (UFRN, diretor da SBNeC)