bau de textos
João Pereira Coutinho
João Pereira Coutinho
Não existe coisa mais perigosa no mundo que um homem inteligente munido de uma máquina de escrever. Lembrei essa eterna verdade com livro recente, pequeno e luminoso de Nigel Lawson, ex-ministro inglês e diretor da revista “The Spectator”. O livro se chama “An Appeal to Reason: A Cool Look at Global Warming” (Um apelo à razão: um olhar frio ao aquecimento global, Duckworth, 149 págs.) e é um milagre a sua publicação. Lawson procurou várias editoras e a resposta era sempre a mesma: questionar o aquecimento global? Isso não é apenas crime; é heresia.
Como explicar essa atitude irracional que é a pura negação do espírito científico? Lawson explica: porque o aquecimento global não é uma questão racional; é uma questão de fé, exatamente como outras questões “científicas” que assombraram a Humanidade nas últimas décadas.
Nos anos 60, foi o pesadelo malthusiano de um mundo sobrepovoado e faminto; na década de 70, foi a possibilidade de uma nova era glacial perante a descida acentuada das temperaturas; agora, é um mundo que aquece, glaciares que derretem e águas que sobem, uma espécie de secularização das pragas bíblicas para punição dos excessos “capitalistas”.
A moda do aquecimento global foi sobretudo adotada por órfãos do marxismo, que substituíram uma religião secular por outra. Hoje, o verde é o novo vermelho. Lawson desmonta alguns mitos sem nunca cair no extremo oposto. Sim, o mundo aqueceu 0,5 °C a partir de 1975. Exatamente como sucedeu entre 1920 e 1940, com uma subida de 0,4 °C. Razões da subida?
A resposta automática das patrulhas aponta para um aumento de emissões de dióxido de carbono, em crescendo desde a Revolução Industrial. Infelizmente, a resposta é débil. Primeiro, porque não é possível avaliar a real contribuição do homem para essas concentrações de CO2 na atmosfera (a natureza é responsável pela maior parcela de emissões). E, depois, porque a subida da temperatura não foi uniforme no século 20: entre 1940 e 1975, registou-se um arrefecimento de 0,2 ºC.
Cientistas vários explicam o arrefecimento com a emissão de sulfatos em aerossóis nesse período, prática que entrou em declínio depois de 1975, quando o planeta voltou a aquecer. Mas, se assim é, como explicar o aquecimento anterior a 1940, quando os sulfatos continuavam a ser usados?
Hipótese levantada por Lawson: existem variações naturais de temperatura que não podem ser explicadas pela ação humana. Na Idade Média, houve um acentuado aquecimento a partir do século 11; entre os séculos 17 e 18, registou-se uma pequena idade glacial com descida considerável dos termômetros. O homem medieval e o fidalgo da corte não usavam desodorante.
A conclusão é imediata: sabemos pouco sobre os “comportamentos” do clima; e essa ignorância não deve legitimar a construção de cenários, ou de políticas, futuristas. É possível que a temperatura aumente nos próximos anos, apesar de ter estabilizado desde os inícios do século presente. Mas, se essa possibilidade se verificar, é necessário lembrar que o aquecimento não traz apenas custos; também transporta benefícios, sobretudo nas regiões mais frias. Lawson exemplifica: o Departamento de Saúde do Reino Unido estima que o aquecimento global provocará anualmente 2.000 mortes devido ao calor; mas Lawson relembra que o mesmo Departamento estima igualmente que 20 mil vidas serão salvas do frio. Que fazer, então? Os conselhos de Lawson são pura prudência.
Em primeiro lugar, é preciso abandonar a pretensão de um acordo global (tipo Kyoto) que assenta em premissas questionáveis e jamais será assinado por potências emergentes, como China e Índia. E, se os EUA são os maus da fita, Lawson relembra que as emissões de CO2 têm aumentado mais no Canadá e na Europa, que assinaram o tratado, do que na maléfica América, que o recusou.
Por último, Lawson termina com uma nota de otimismo: a história do homem é a história da técnica; da forma como os seres humanos foram se adaptando às exigências do tempo e do meio. É precisamente essa capacidade de adaptação que permitirá às gerações futuras lidar com os desafios (climatéricos e não só) sem que isso signifique um sacrifício das gerações presentes. O combate à fome, à doença, à proliferação nuclear e ao terrorismo internacional são causas mais prementes, e mais reais, para os humanistas de hoje. Deixemos os fantasmas do clima para os humanistas de amanhã.
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