MOÇA DORME SUAVEMENTE (1870) - THANATOS ARCHIVE |
Independente
das questões de natureza metafísica, filosóficas ou religiosas, a morte é o
maior problema para os humanos. Diz Norbert Elias que a morte é um problema dos
vivos, pois “os mortos não têm problemas”.
Se
a Cultura, como somatório do imaginário humano, é o ponto de convergência do
desenvolvimento e orientação de muitas raízes imaginativas, uma delas, talvez a
primeira e mais profunda, seja aquela que corresponde à percepção da morte.
Lidar
com a noção da morte, do fim da vida, é algo elementar.
Durante
milhares de anos as pessoas e as culturas guardaram as imagens do passado
apenas na memória; em um certo tempo os humanos aprenderam a desenhar e a fixar
as imagens em suportes externos, como a parede de pedra de uma caverna, a
madeira de uma grande árvore; depois em estatuetas e esculturas.
Foi
necessário muito tempo para que famílias comuns pudessem ter uma imagem simples
como uma fotografia impressa em metal ou no papel para preservar a
representação de alguém. No século XIX ter uma pintura de alguém da família era
um alto luxo, e muito caro era também conseguir uma imagem fotográfica de uma
pessoa.
TALVEZ A ÚNICA FOTO DA FILHA QUERIDA (SÉC. XIX) |
Daguèrre
desenvolveu o processo fotográfico (daguerreotipia) anunciado ao mundo em 1839.
Década depois ainda era caro demais para uma família conseguir ter uma imagem
de alguém como simples lembrança.
Depois
de 1870, quando, segundo algumas fontes, a Rainha Vitória mandou que fizessem
fotos de um morto para ela ter de lembrança é que a fotografia começou a ser
utilizada para registrar imagens de mortos queridos.
Pode
parecer mórbido, exótico, curioso, bizarro, mas é perfeitamente compreensível
que uma família quisesse ter uma imagem de alguém morto para mostrar às futuras
gerações: assim foi seu pai, assim foi sua mãe, estes eram seus avós, etc... As
famílias não tinham qualquer imagem, nem dos vivos!
Às
vezes, durante toda uma vida, de 40, 50 ou 60 anos, as pessoas não dispunham de
dinheiro para ter uma única fotografia.
Mal conseguimos imaginar isso, uma vez
que hoje em dia crianças com dois ou três anos manejam celulares que dispõem de
câmaras fotográficas, entupindo o espaço virtual de imagens, num volume tal que
boa parte não passa de puro lixo.
Basta
pensar no depósito de idiotices que é o Facebook.
Então,
entre 1870 e até 1930 ou 1940, foi bastante comum famílias, de diversas
culturas ou países, mandarem fotógrafos fazerem fotos de um morto.
Geralmente essas imagens foram feitos pouco
tempo após a morte de uma pessoa, criança, jovem ou adulto, e procuravam imitar
uma cena do cotidiano.
CRIANÇA DORMINDO COM ANJOS (SEC. XIX) |
Um
irmão com um braço sobre os ombros do outro; uma criança sentada em uma cadeira
olhando para a lente da câmara, uma jovem dormindo tranquilamente com a cabeça
apoiada sobre almofadas, a mãe acalentando nos braços o nenê.
Cenas
absolutamente comuns, como aquelas que costumavam aparecer em fotografias de
pessoas vivas, exceto pelo fato de que muitos dos fotografados estavam mortos.
MENINA COM OLHOS ABERTOS (SEC XIX) |
Diz
um teórico checo Ivan Bystrina que, além da morte, dos sonhos, dos estados
alterados da consciência, entre outras, a imitação (mimicry) seria uma das
raízes da Cultura. Não sem razão Aristóteles já pesquisava a Mímese, no campo
da Estética. A tentativa da Arte de imitar a Realidade.
Se
não foi possível ter uma fotografia de um ente querido em vida, então que se
produzissem fotografias “teatrais”, com os mortos representando viver! Suprema
ironia...
FONTES:
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