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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

A VERDADEIRA HISTÓRIA DO FUSCA. Ou, o nome de meu pai é Josef Ganz. Uma lição de pesquisa jornalística e valor documental


Capa do livro lançado no Brasil
 É de primeira qualidade a pesquisa do jornalista holandês Paul Schilperoord, cujo trabalho, de cinco anos, resultou no livro lançado no Brasil, pela Editora Alaúde, com o título "A verdadeira história do Fusca - como Hitler se apropriou da invenção de um gênio judeu". O excelente texto é um convite para a leitura da obra de uma vez só. Trabalhando com fontes primárias o jornalista obteve dados, depoimentos, anotações, desenhos e fotografias exclusivas e demonstra que o verdadeiro pai do Volkswagen foi o engenheiro judeu húngaro Josef Ganz, e não a dupla Ferdinand Porsche e Adolf Hitler, como se acreditava até agora.

Segundo Schilperoord, foi Ganz quem desenvolveu o conceito de um veículo de preço acessível, havendo lançado, em 1931, um protótipo com o nome de Maikäfer (besouro).  O carro idealizado por Ganz tinha motor traseiro, chassi com tubo central, semieixos oscilantes, baixo centro de gravidade, aerodinâmica diferenciada.

O engenheiro húngaro foi filho de um jornalista famoso e, durante sua infância e juventude, conviveu com muitos intelectuais e artistas, o que o levou a conhecer nomes importantes da engenharia e da pesquisa automobilística da época.
Ainda moço foi editor de uma revista especializada em engenharia de automóveis Motor Kritik. Com ela conseguiu, a despeito da contrariedade da indústria tradicional de autos alemã, disseminar seus conceitos e idéias, até interessar diversos fabricantes em seus projetos.

Mas Ganz viveu numa época complicada para alguém com a sua origem judáica. Assim que os nazistas assumiram o poder, em 1933, começou uma forte perseguição aos judeus, e Ganz, apesar de sua educação germânica, e de morar em Frankfurt, foi implacavelmente perseguido pelo regime, até que seu nome foi apagado da revista, seus contratos de consultoria foram cancelados e ele passou a viver quase clandestinamente na Suíça.

Ganz deixou de existir na memória da Alemanha. Após o fim da Guerra acabou se mudando para a Austrália onde morreu pobre e absolutamente só. A paternidade do Fusca nunca foi reconhecida, oficialmente.

O trabalho realizado por Schilperoord, de recolocar as coisas no seu devido lugar, mostrando que o ambiente industrial alemão foi fertilizado pelas ideias de Ganz, e que o Volkswagen foi ideia sua, tendo havido uma apropriação indevida pelos nazistas, é de imenso valor histórico. Porsche, certamente, contribiu para com o  desenvolvimento  de um dos carros mais famosos do mundo, com mais de 21 milhões de unidades produzidas, mas tudo começou com Josef Ganz.

A leitura do livro é fascinante, não só pelos detalhes das pesquisas e projetos de Ganz, mas por mostrar como era a Alemanha naquela época, e como pensavam as grandes empresas como a Mercedes, ou a BMW. A qualidade das fotografias é excepcional e foram quase todas extraídas dos arquivos do próprio engenheiro que gostava de documentar tudo que o rodeava, especialmente automóveis.

Uma das coisas que me chamaram a atenção foi a postura jornalística invejável assumida por Josef Ganz enquanto editor. O livro mostra como era um crítico duro das indústrias tradicionais, não por serem tradicionais, mas por serem muito conservadoras e deixarem de aprimorar seus produtos com ideias inovadoras e seguras.

Fica claro que havia muitos jornalistas na Alemanha, já na década de 20 ou 30, que gostavam de receber propinas das empresas para falar bem dos seus produtos.
Isso acontece ainda hoje em muitos lugares, mesmo no Brasil, e refletir sobre a coragem editorial de Ganz é muito importante. Os editores têm medo de ofender os anunciantes com suas críticas.

Miniatura de Volkswagen na escala 1:87

Ganz, pelo contrário, fazia as críticas e elas eram justas e necessárias. E isso foi percebido de imediato pelo público, que levou a Motor Kritik ao topo das publicações, com tiragens grandes para a época, no caso de uma revista especializada. Afinal, as publicações são feitas para os leitores.

Além de um grande engenheiro, Ganz foi um excelente jornalista.

PS. Muito boa a edição brasileira do livro de Schilperoord. Parabéns ao trabalho da Editora Alaúde. (http://www.alaude.com.br/)

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