PAULO FREITAS |
“Der tod
dass ist die khüle nacht” (H.Heine)
Ninguém sai de casa para morrer. Paulo Freitas, 57 anos,
saiu de sua casa, em Santos, na manhã de sábado, 28 de setembro, para voltar no
domingo. Nunca mais voltou. Ao menos vivo, nunca mais voltou. Ele foi sepultado
em Santos, na última sexta-feira à tarde. Restará para sempre uma última e
dolorosa pergunta: por quê? Talvez seja uma daquelas perguntas sem resposta.
A vida pode ser curta ou longa, reta ou tortuosa, ninguém
sabe, mas ali, do outro lado da fronteira, está a morte à espreita. E sempre
foi assim. De certo modo, além de todas as precauções, da proteção de Deus, do
Anjo da Guarda, das rezas e mandingas, talvez estejam em eterna disputa pela
pobre alma a Sorte e o Azar.
Sempre foi assim, e sempre será.
Costumam dizer, até, que Deus escreve certo por linhas
tortas. Quem sabe?
A escuridão sempre foi temida. A escuridão é o avesso da luz.
A morte é a noite fria, escreveu o poeta romântico alemão Heine. Paulo Freitas
chegou a Itanhaém à luz do sol, mas não escapou da noite fria.
Conta a imprensa regional que o fotógrafo, que trabalhou por
quase três décadas no jornal A Tribuna (Santos), onde deixou muitos amigos,
planejava entregar uns documentos, talvez uma escritura, a um casal de
aposentados que lhe comprara um sítio num bairro da periferia de Itanhaém, Vila
Gaivota, na estrada do Rio Preto, onde há ainda muitas matas, silêncio e a
completa escuridão da noite.
Certamente ele passou por lá, pois a esposa do comprador
contou à polícia que conversaram um pouco e, como o marido dela não estava em
casa, Paulo resolveu voltar mais tarde para acertar as pendências. “Volto mais
tarde para tomar um café”, teria dito o fotógrafo à mulher. Mas não voltou.
UM DOS LOCAIS POR ONDE PAULO E AMIGOS TERIAM PASSADO (TV Tribuna) |
O lugar é pobre, com muitas casas inacabadas, mato para todo
lado, pássaros, cigarras noturnas. Poças d´agua, atoleiros. Botecos. Diversos botecos com a inevitável
mesa de bilhar e o balcão ensebado e cansando de ouvir as sempre mesmas
histórias de trabalho, desamores, e valentia.
Balcões de boteco são como ouvidos de psicanalista. As
pessoas falam, falam, bebem, bebem, aliviam o coração e a alma e vão dormir
anestesiados, prontos para o dia seguinte. Talvez os botecos sejam mais baratos
que os divãs.
Segundo as narrativas da imprensa, Paulo passou algumas
horas em um boteco perto do campinho de futebol, no Jardim Palmeiras. Por ali
estava uma moça, conhecida dele, para quem ele havia prometido fazer umas fotos
de seus filhos pequenos. As fotos, pelo que se sabe, também jamais foram
feitas. Paulo não teve tempo.
No boteco estariam diversas pessoas, entre elas Ronaldo da
Silva, 38 anos, irmão da moça amiga do fotógrafo, a quem ele foi apresentado.
Após muita conversa e bebida a moça foi embora, isso já no início da noite.
Paulo, Ronaldo e mais alguns sujeitos ficaram conversando.
Dali, ao menos Paulo, o novo amigo e mais um homem, ainda não identificado pela
polícia, resolveram ir a outro lugar, ali por perto, onde haveria música.
Os relatos indicam que provavelmente o último lugar visitado
foi um tipo de boate, meio inferninho, “puteiro” como se costuma dizer de
lugares freqüentados por garotas de programa, Rosa Negra. Os que identificaram as
fotografias disseram que por ali ficaram pouco tempo, sem nada consumir.
A família do fotógrafo comunicou o seu desaparecimento ainda
no domingo, uma vez que não conseguiam contato. Na terça-feira à noite foi
localizado o carro de Paulo Freitas, estacionado em uma rua de Mongaguá, cidade
a 20 quilômetros de Itanhaém. O carro, um Ford Fiesta preto estava sem as
chaves, o rádio e o pneu estepe haviam sido levados. No porta-malas estavam algumas
roupas e um galão de gasolina vazio.
Na quarta-feira a polícia informou haver encontrado uma
calça (com cinto) de Paulo Freitas, no lixo da casa irmã de Ronaldo. Junto com
essa calça havia outra calça, molhada. Segundo a moça, ela havia jogado as duas
calças no lixo porque as encontrou no quintal no domingo, depois que acordou. Ela contou que havia bebido demais no sábado e dormiu, não se lembrando de nada no outro dia.
Ela disse que jogou as calças fora porque pensou que fossem
de seu irmão. Algo meio esquisito, concordam? Não seria mais óbvio guardá-las e
entregá-las a Ronaldo quando ele aparecesse por ali?
Talvez o delegado de Itanhaém tenha pensado o mesmo, pois
levou a moça à delegacia e quando ela ligou ao irmão para conversar o delegado
e investigadores ouviram, pela escuta, ele dizer, depois de ser questionado
pela moça, que havia dado um fim no fotógrafo.
JARDIM ANCHIETA |
Na quarta-feira, ao anoitecer, Ronaldo foi preso em Peruíbe,
município 20 quilômetros ao sul de Itanhaém, quando, segundo relatos, tentava livrar-se do
equipamento fotográfico de Freitas. Na quinta-feira a polícia localizou o corpo
do fotógrafo jogado em uma vala perto do quilômetro 335 da Rodovia Padre Manoel
da Nóbrega, junto ao Jardim Anchieta, não muito distante do Balneário Gaivota.
O que teria acontecido nas horas entre a saída do Rosa Negra
e o fim na vala à beira da estrada? Ninguém sabe, ainda, com certeza. O
delegado tentará reconstituir tudo o que aconteceu durante o tempo da prisão
preventiva de Ronaldo da Silva, para que o inquérito seja encaminhado à Promotoria.
Ronaldo será enquadrado ou por latrocínio (roubar e matar) ou morte seguida de
roubo, além de ocultação de cadáver.
A morte é uma noite fria.
Naquele fim de noite, ou começo de
madrugada, Paulo Freitas já estava bastante alcoolizado, assim como Ronaldo e
outras pessoas. Teriam saído os três do inferninho em direção a algum outro
lugar, em busca de diversão, segundo os relatos da imprensa.
O fato é que talvez não tenham chegado. Ronaldo conta que
dirigiu o carro, pois o fotógrafo estava sem condições de fazê-lo. Não se sabe ainda se o outro sujeito que os acompanhava continuava no carro.
Por algum motivo discutiram, brigaram, e Ronaldo conta que jogou Paulo
contra o acento do carro e o asfixiou, até o desfalecimento. Paulo Freitas foi
encontrado na vala à beira da estrada, onde esteve por cinco dias. "Eu joguei ele para o banco e dei um sufoco nele".
O suspeito disse à polícia que não roubou nada do profissional e apenas se defendeu. O laudo técnico do IML informa hoje (5) que Paulo Freitas morreu por esganadura. Foi jogado morto na vala.
"Eu não queria dinheiro, eu tenho dinheiro, eu trabalho. Eu não queria nada com ele. Estou arrependido", disse Ronaldo.
No porta-malas do veículo junto às outras coisas encontradas estava uma pequena e silenciosa
testemunha do que aconteceu naquela noite, de modo que tudo acabasse em morte:
um pequeno frasco de perfume.
Mas frascos de perfume não falam.
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